Jannah Theme License is not validated, Go to the theme options page to validate the license, You need a single license for each domain name.
Coluna

A arte libertadora – por Bianca Zasso

biancaQuem acompanha com certa frequência esta coluna sabe que a palavra cinefilia é arroz de festa nos textos. Isto porque certos filmes, diretores e roteiros não podem ser separados das etapas da vida de quem escreve sobre eles. Segundo o bom e inseparável dicionário Aurélio, cinefilia abrange a admiração por tudo que se relaciona com a Sétima Arte.

Ela estava lá no nascimento da nouvelle vague, vive com intensidade nos cineclubes e salas de exibição fora do eixo comercial, emana das estantes lotadas de DVDs dos cinéfilos. E fez parte da formação de cineastas que plantaram o amor pelo cinema em novas mentes e corações. Um deles, Martin Scorsese, não se contentou em utilizar referências e pagar tributos aos seus mestres em suas produções. Resolveu soltar o verbo sobre seus amores cinematográficos. Em dois filmes.

Os documentários Uma viagem pessoal pelo cinema americano e Minha viagem à Itália, de 1995 e 2001, respectivamente, ganharam lançamento de qualidade no mercado brasileiro pela distribuidora Versátil Home Video, em parceria com a Livraria Cultura, no box O cinema por Scorsese.

Originalmente exibidos na TV, os filmes são narrados pelo próprio Scorsese, que se colocou diante das câmeras para comentar algumas obras que ajudaram a construir seu olhar como diretor. Uma viagem pessoal pelo cinema americano nasceu de um convite do British Film Institute, de Londres, para comemorar os 100 anos do cinema. Sentado, usando terno e gravata e tendo um fundo preto como cenário, Scorsese disseca cenas com ternura e apresentando todo o brilho do olhar de descoberta das primeiras sequências. Sem esquecer, é claro, de todo o seu conhecimento técnico e sua didática de professor da Universidade de Columbia.

Mais que um resgate histórico, o documentário funciona como um túnel do tempo, onde descobrimos quais diretores e gêneros fizeram a cabeça de um dos mais importantes diretores do século XX. Durante mais de três horas de duração, a proximidade do diretor de Taxi Driver e Touro indomável com o espectador é nítida. É um cinéfilo falando para seus pares. Vai além da simples análise da luz e da interpretação. Trata-se de um amante falando da arte que mudou sua vida e explicando os motivos da mudança, desde o cinema mudo até o início da década de 70, época que Scorsese passou a colocar a mão na massa e fazer seus próprios filmes.

Estão lá os filmes B que atiçaram sua criatividade e também produções grandiosas como 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, passando pelo humor de Billy Wylder, os faroestes de John Ford, os gângsteres do filme noir e os sentimentos avassaladores de John Cassavetes.

Minha viagem à Itália é ainda mais emocionante. Isto porque o cineasta utiliza os filmes para ilustrar a história de sua família e a importância dos filmes italianos para os imigrantes que chegavam em Nova York em busca de uma vida nova. As sessões de cinema na companhia do pai e também os avós reunidos em volta da TV foram parte da infância e ajudaram o então garoto Martin a entender um pouco de suas raízes sicilianas.

Sua apresentação de ícones do neorrealismo como Alemanha Ano Zero, de Roberto Rossellini, e Umberto D., de Vittorio De Sica, é mágica e consegue a proeza de trazer boas lembranças para quem já assistiu aos filmes como também instalar a curiosidade nos que ainda os desconhecem. Em mais de um momento, Scorsese explora detalhes que, segundo ele, podem passar despercebidos pelos novos realizadores. Mais que contar a história do cinema, ele quer que a intensidade desta arte seja sentida.

Ao falar das obras de Michelangelo Antonioni e Federico Fellini, na parte final de Minha viagem à Itália, Scorsese reforça que alguns filmes são experiências e, como tais, não necessitam de grandes explicações. Isto mostra que há uma diferença entre o devorador de filmes e o cinéfilo. Enquanto um assiste um filme atrás do outro e decora nomes do elenco e diretores, o outro desfruta até a última gota de uma sessão, podendo até passar dias com um roteiro na cabeça, atormentado pelo sentimento que alguma cena lhe causou. Não que não haja diversão na cinefilia. Nossa lista de piadas costuma ser vasta e de várias épocas.

Mas não é uma tarefa fácil. Algumas películas abrem feridas, insistem em nos trazer lembranças e podem até mudar aquilo que tínhamos como verdade em nossos dias. Quando se opta por trabalha com esta arte, seja fazendo filmes, escrevendo roteiros, fotografando ou desvendando seus segredos, o caminho que se abre não é dos mais fáceis. Mas vale cada passo. Tenho certeza que que trabalho com algo mágico e também muito humano, algo que consegue transpor em imagens toda a complexidade que nos constitui. Partilho com Scorsese, que quase tornou-se padre, que há muitas semelhanças entre a igreja e o cinema. Não sei rezar tão bem, mas minha fé me percorre a 24 quadros por segundo.

P.S. Este texto é dedicado à Sala P.F. Gastal, em Porto Alegre, que resiste para se manter em atividade e tem cinefilia em todos os seus cantos, e ao jornalista e crítico de cinema Christian Petermann, que encontra-se hospitalizado em São Paulo. Com 30 anos dedicados aos escritos de cinema, Petermann é uma das grandes inspirações para esta que vos escreve, por sua paixão e dedicação ao cinema. Força e boas energias!

PS 2. Christian Petermann acabou falecendo no dia 3 de maio. Força e fé para a família, os amigos e nós, fãs de seu trabalho.

O cinema por Scorsese

Ano: 1995/2001

Direção: Martin Scorsese

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo