Coluna

A dor e a delícia de ser quem somos – por Bianca Zasso

biancaNão é nenhuma novidade que vivemos tempos sombrios em nosso país. Não apenas na política, já que esta parece ter sido o gatilho para que preconceitos dos mais variados níveis viessem à tona. Há sempre um dedo em riste querendo dizer o que é certo ou errado, tratando como absoluto algo tão passível de diferença como nossas escolhas.

Pior que armar uma briga com o tal lado contrário, só quando trava-se uma batalha consigo mesmo. Direito de amar (título de novela para um filme originalmente chamado A single man) é a estreia do estilista Tom Ford como diretor de cinema. Um começo e tanto, no qual ele não abandonou o carinho pela moda. A direção de arte e o figurino do filme são cruciais para a condução da história, inspirada no livro de Christopher Isherwood, o mesmo autor de Cabaret.

George, o protagonista, é um professor universitário inglês residente na ensolarada Los Angeles dos anos 60. Ele acaba de perder o companheiro Jim em um trágico acidente. Depois de 16 anos de relacionamento, George se vê sozinho. Ou melhor, solitário, o que é mais grave. Tudo dentro de sua casa o faz lembrar de Jim. A opção encontrada para acabar de vez com este martírio é dar fim a própria vida. Opta, como é de sua personalidade, pela discrição e, porque não dizer, pela elegância.

O dia que ele declara como sendo o último segue o ritmo de sempre, fora alguns detalhes como a escrita de cartas de despedida e a organização de documentos para facilitar as coisas de quem vai encontrá-lo morto. A escolha da camisa e da gravata, o trajeto até a universidade, a preparação para assumir pela última vez seu personagem.

Sim, existem dois Georges: o que circula despreocupado pelos cômodos onde mora e o professor de cara amarrada que precisa disfarçar suas escolhas diante de alunos e colegas. Seu olhar para os corpos masculinos rende alguma das mais belas cenas de Direito de amar. O homem que demonstra ser uma rocha, enxerga em slow-motion seus objetos de desejo.

O uso de tons desbotados transmitem o que a partida de Sam significa. Tudo perdeu a graça, a razão de ser, a cor. Tom Ford trouxe a elegância de seus vestidos para a construção de suas sequências. O ponto de luz, pequeno mas que pode trazer uma leve esperança é Kenny, um aluno disposto a desvendar quem é de verdade seu professor. A guerra interior de George se acentua. No caminho para o fim, aparece uma porta para um possível recomeço.

A escolha do experiente Colin Firth para o papel principal não poderia ter sido melhor. Seu charme ocupa o espaço exato dentro da situação complexa em que seu personagem se encontra. Sem nenhuma sombra de estereótipo, a sutileza de Firth completa a maneira respeitosa com a qual a história é mostrada, sem espaço para emoções baratas ou pieguices.

Não percebemos preocupação em fazer a platéia chorar a qualquer custo, apesar de Direito de amar ser um filme triste. Lindamente triste, aliás. Uma história de amor e também de dor, aquela dor que muitos ainda sentem, por não conseguirem se mostrarem inteiros para o mundo, seja pelo motivo que for. Ambientada nos ano 60, Direito de amar nunca foi tão atual, não só por falar de amor verdadeiro, como também de preconceito. O dos outros e os nossos.

Direito de amar (A single man)

Ano: 2009

Direção: Tom Ford

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

 

A partir do próximo mês, esta coluna inicia uma parceria com a Obras Primas do Cinema. Confira os lançamentos que chegam em Junho e também o catálogo em www.obrasprimasdocinema.com.br

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