Coluna

Fé na dúvida – por Bianca Zasso

biancaUma fila imensa de cardeais caminha em direção a uma grande sala. Escutamos apenas suas preces e o sussurro de alguns jornalistas descrevendo a situação. Sopra uma brisa suave e o clima é de adeus. O papa está morto e é chegada a hora de escolher um novo pontífice. Isolados do mundo, os cardeais dão início a votação. Além dos nomes dos possíveis candidatos ao cargo mais importante da igreja católica, escutamos alguns pedidos direcionados ao todo poderoso. Ninguém quer vencer.  Apesar da seriedade com a qual o filme apresenta seu tema, Habemus Papam, do italiano Nanni Moretti, é uma comédia. Agridoce, diga-se de passagem.

O cardeal escolhido para ocupar o cargo mais importante da igreja católica, interpretado pelo ótimo Michel Piccoli, no momento em que deveria se dirigir aos fiéis pela primeira vez, senta-se e começa a gritar. O papa está em crise. O que seus colegas cardeais e seu assessor de imprensa tratam como um nervosismo de estreia, torna-se mais intenso a cada dia. Como as orações não rendem resultados, o jeito é buscar na ciência o alívio para Sua Santidade.

Um psicanalista (interpretado por Moretti) passa a frequentar o Vaticano e ter de conviver com situações um tanto estranhas, como uma sessão onde, além do santo paciente, estão presentes todos os cardeais, que não fazem cerimônia para questionarem as perguntas diretas do doutor da mente. Terapia coletiva? Não, vigilância para que a cura do papa não vá contra o que diz a Bíblia. Uma cena insólita que serve de amostra para a jornada que virá a seguir.

Habemus papam é muito bem fotografado por Alessandro Pesci, que consegue equilibrar a grandeza dos cenários do Vaticano com a sensação de clausura que envolve seus moradores. Os quartos com luz indireta onde os cardeais dormem, ao invés de emanarem paz e tranquilidade, mostram homens que leem o livro sagrado, fumam um cigarro, rezam e tomam com fé algumas gotinhas de Rivotril.

Foi o papa que entrou em crise, mas ela parece ter atravessado as paredes e se feito presente em quase todos que convivem com ele. Os diálogos inteligentes dos coadjuvantes, em especial os que ocorrem durante o campeonato de vôlei organizado pelo psicanalista para conter os ânimos com a indecisão do pontífice, são a ponte para que nossa simpatia chegue em alto grau diante de Michel Piccoli e sua atuação impecável.

Seu papa não tem máscaras. Está com os nervos à flor da pele e não faz questão de disfarçar. Quem se mostra é o homem antes de assumir o sacerdócio. Que teve pai, mãe, amores, sonhos, decepções e outras coisas bem mundanas. Elas nada têm a ver com suas responsabilidades papais, mas o impedem de assumir o lugar para o qual foi designado.

O roteiro inteligente, assinado por Moretti e Francesco Piccolo, presenteia o novo papa com um curto período de vida comum. Depois de uma sessão de terapia cercada de seguranças, ele escapa e vai viver algumas horas sem o peso da igreja sobre suas costas. Vagando pelas ruas, andando de ônibus ou recitando trechos de Tchecov junto com uma trupe de atores. O papa queria ser ator, mas foi reprovado. Será um sinal para treinar métodos de interpretação para conseguir assumir seus fiéis?

Habemus Papam pode chocar os fiéis mais conservadores por mostrar um protagonista que abre mão de se aproximar mais de Deus em nome do exorcismo de alguns de seus fantasmas. A própria visão de um psicanalista dentro de uma sala lotada de cardeais parece heresia para alguns. Mas a fé está em crise, assim como o homem não evolui sem estar dentro de uma.

Todos estão em busca de respostas e talvez algumas tenham sido sanadas pela vida sacerdotal. Só que nem só de hóstia vive o corpo. Do padeiro ao padre, todos têm o seu ponto de interrogação. Habemus Papam é sobre o homem com fé na dúvida. Afinal, se ela acabar, o que será de nós?

Habemus Papam

Ano: 2011

Direção: Nanni Moretti

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

PS – Esta colunista lamenta a perda de três importantes cineastas ocorridas nos últimos dias : Robin Hardy, Michael Cimino e Abbas Kiarostami. Mestres que se vão, mas que nos deixam filmes incríveis.

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