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Os números que viram rostos – por Leonardo da Rocha Botega

E as famílias de todos precisam ser salvas, escreve o articulista

Desde a segunda semana de março de 2020, quando a Pandemia da Covid-19 atingiu de forma mais efetiva o Brasil, uma sufocante sensação foi tomando conta de muitas pessoas. Corpos que foram padronizados com a aceleração de uma produtividade (que não reflete na melhoria da vida de uma maioria de trabalhadores acelerados) tiveram que parar. O barulho das ruas deu lugar a um perturbador silêncio. Angústia, ansiedade, medo, solidão, deslocamento de afetos, um turbilhão de efeitos sociais e psicológicos impulsionando o desmonte daquilo que produz a nossa sensação de humano.

Paralelamente a tudo isso, uma avalanche de números de infectados e mortos agindo como um comboio trágico se aproximando dia a dia de nossas vidas. Entre março e agosto de 2020 foram 100 mil mortos no Brasil. Em 7 de janeiro de 2021 a marca de 200 mil mortos bateu na nossa porta. Em 24 de fevereiro de 2021 chegamos a 250 mil mortos. Hoje beiramos os 300 mil mortos, e a média móvel, que no início de março era de 1.500 mortos por dia, na última semana cresceu a assustadores 2.306 mortos por dia. A maior média móvel do mundo!

Somos 2,75% da população mundial e iniciamos a semana sendo 20% dos óbitos mundiais. Uma semana na qual 35% dos internados, 60% dos internados em UTIs e (assustadoramente) 80% dos intubados morreram. Na maioria dos outros países, menos de 50% dos intubados morreram. Faltam leitos, faltam medicamentos, falta oxigênio, falta vacina.

Em levantamento feito pelo Our World In Data, entre cinquenta países que estão vacinando, o Brasil é o último colocado em termos de percentual da população vacinada. Tudo isso em meio a profissionais de saúde esgotados pela sensação de estarem “enxugando gelo”. E o que é pior: os números cada vez mais se tornam rostos de pessoas próximas.

A Covid-19 que, entre as 6.006 mortes de março a abril de 2020, levou o brilhante compositor Aldir Blanc (demonstrando que mais uma vez muitas “Marias e Clarices” chorariam “no solo do Brasil”), na última semana, levou o esposo da Célia, a mãe da Vanessa, a sogra do João, o irmão da Rose, a avó do Pablo, o amigo do Alexandre, o funcionário da Câmara de Vereadores, o promissor estudante, a professora municipal, a amiga aposentada. Muitos que para além dos números eram amores de amigos, de amigas e de pessoas conhecidas.

Enquanto isso, cartazes afirmando que “lojas abertas salvam famílias” se espalham pelas vitrines em críticas às políticas de isolamento social. Críticas que são duras contra as medidas de contenção do contágio, mas que poupam figuras, como o Ministro Paulo Guedes, que ano passado chegou a afirmar: “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”. Críticas que escolhem como alvos clientes de suas próprias lojas: os funcionários públicos.

Funcionários públicos que estão há mais de seis anos sem aumento, ou recebendo parcelado (ou os dois) e, desde a última semana, com a perspectiva de mais 15 anos sem aumentos. Funcionários públicos cujas entidades representativas já no início da Pandemia defendiam que o R$ 1,3 trilhão repassado pelo governo Bolsonaro ao sistema financeiro, com o objetivo de “solvência”, deveria ser transformado em auxílios emergenciais para que micro e pequenas empresas não fechem suas portas como a maior parte dos países mundo afora fizeram.

Funcionários públicos que estão nos postos de saúde vacinando, ensinando em cozinhas improvisadas para serem salas de aula virtual, com filhos pedindo atenção, tirando do próprio bolso os custos de aquisição de materiais e da melhoria de acesso aos precários (e privados) serviços de internet. Funcionários públicos que produziram (e seguem produzindo) vacinas. Funcionários públicos que enviam Nanosatélites para o espaço. Funcionários públicos que também estão vendo os números se transformarem em rostos de familiares, de amigos e de conhecidos. Funcionários públicos que também estão vendo suas famílias e famílias de amigos sendo destruídas. Estas famílias também precisam ser salvas!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do editor:  a imagem que ilustra este texto é uma reprodução da internet.

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5 Comentários

  1. Moda agora é focar na Alemanha. Números por lá são menores, país já foi apontado como exemplo. Diversos lockdowns. Angela Merkel planejava mais 5 dias além da Pascoa, serviços religiosos cancelados, comercio fechado e proibição de encontros familiares numerosos. Empresários e cientistas criticaram a medida. Protestos. Alguém no Parlamento afirmou que a medida não era fiscalizável. Alemães, para quem não sabe, desconfiam muito do governo. Motivos óbvios.
    Merkel voltou atrás e declarou: ‘O engano é só meu, o processo causou incerteza adicional e peço desculpas a todos os cidadãos’. Afirmou também (sem citar fontes): ‘Essencialmente temos um novo virus’, ‘É muito mais mortal, mais infeccioso e infecta por muito mais tempo.’

  2. ‘R$ 1,3 trilhão repassado […] ao sistema financeiro’, isto não é verdade, todos têm direito a opinião, mas não aos próprios fatos. Assunto vencido, dinheiro veio do deposito compulsório. Para quem estudou o mínimo de economia não é mistério.
    Funcionários públicos vacinando. Até a pagina 2. Pessoal da Fisma aqui na aldeia está auxiliando e em POA farmácias estão ajudando.

  3. Funcionários públicos. Problema deles é que viraram uma casta privilegiada. Estável. Trabalha quem quer e como quer. Quem é responsável por mais de 80% da pesquisa cientifica no país? Então por que motivo o Insumo Farmaceutico Ativo tem que vir da China ou da India (com tecnologia britânica)? Nanosatélite seria algo importante se não conhecêssemos o programa espacial de outros países. Alás, duas instituições federais ‘faturaram’ na mídia o ‘feito’. Esqueceram de mencionar que foram 38 nanosatélites de 18 países, incluindo Argentina, Tailândia e Tunisia. Israel tinha 3 no pacote.

  4. Tragicômico. ‘Somos 2,75% da população mundial e iniciamos a semana sendo 20% dos óbitos mundiais’ Todos sabem de onde saiu esta afirmação. Obviamente é uma asneira. Casos confirmados de Covid no Brasil são 6% e no mundo 15%. Comparar populações totais não faz sentido. Mais, México tem 200 mil mortos. India com população muito maior tem somente (rostos que viram números) 161 mil mortos. e a explicação mais difundida é que a expectativa de vida é menor, ou seja, morreu menos gente de Covid porque a parcela da população que seria mais atingida pelo vírus morreu antes de outra coisa.

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