MORROSTOCK. Bem mais que música ou ideologia, eis aqui o maior festival de todos os tempos desta estação
Por ATÍLIO ALENCAR (texto e fotos), Especial para o Site
Os festivais de música, como muitos já devem saber, são muito mais do que espetáculos ruidosos. São rituais de encontro, compartilhamento de experiências e ideias, momentos para você desapegar um pouco da noção de propriedade e exclusividade.
O Morrostock, em sua décima edição – pela primeira vez em solo santa-mariense – não desmentiu esta lógica.
Teve música boa, convívio humano entre a natureza exuberante de Três Barras, nudismo, ervas naturais circulando de mão em mão, cuidado ambiental e solidariedade desinteressada.
Também teve, claro, muito calor, chuva, lama, mosquito, alguma pane hidráulica nos banheiros e dezenas de pessoas se movimentando nos bastidores para que o evento se tornasse realidade.
É difícil condensar três dias de festival em poucas linhas. Mas algumas imagens conseguem descrever melhor a paisagem afetiva e natural do balneário Ouro Verde, ponto de encontro que fez coincidir num pacato distrito de Santa Maria a presença de vários nomes luminosos da música brasileira independente.
Fui, vi, trabalhei, ouvi, gozei cada momento possível da experiência.
Éramos muitos e muitas. Sem internet, logo, sem muita possibilidade de reduzir ao auto-retrato um final de semana tão amplo.
Ficam as imagens para enquanto a memória digital durar. Nos corpos, creio eu, a pele há de reter longamente aquilo que foi mais que um mero espetáculo.
O rico e próspero Vale do Silício foi feito de pessoas assim.
Mas lá, em terras civilizadas, onde um dia alguma coisa acontece na cabeça dessas pessoas que a realidade “cai” na consciência e até mudam o mundo para melhor, para milhões de pessoas.
Aqui a coisa é outra, aqui usam o SUS e hospital público, e a conta fica para nós.
Polly Matzinger, franco-americana, levou 11 anos para terminar a graduação. Foi baixista de jazz, carpinteira, treinadora de cachorros, garçonete e coelhinha da Playboy (jogava sinuca na beira da piscina. Acabou fazendo doutorado em biologia e virando uma respeitada imunologista.
Konstantin Batygin, russo americano, filho de cientistas. Resolveu fazer a graduação na Universidade da California em Santa Fé. Os amigos foram para lá e ele queria duas coisas: manter a banda de rock unida (toca guitarra) e aproveitar as praias. Não sabia o que cursar e um dos caras falou para ele “tu devias estudar astrofísica, aquela merda dá barato!”. Foi um dos descobridores do nono planeta do sistema solar.
Obvio que não dá para utilizar exemplos locais (apesar de existirem, com as devidas proporções). Só mais uma catilinária contra o preconceito.
Negócio é aproveitar a vida porque é curta e passa rápido, até demais. Referência óbvia a Woodstock, não se sabe o motivo porque o festival da ilha de Wight é tão menos famoso.
Existe a história de um americano que nasceu na década de 60. Família com grana. No ensino médio reprovou porque “estava muito ocupado estudando sexo, drogas e rock and roll”. Tocava baixo e bateria. Começou faculdade de música, mas só frequentou um ano. Trabalhou como administrador assistente num mercado de alimentos orgânicos. Ocasionalmente cultivava “ervas naturais”. Em 1984 estava voltando de madrugada após tocar num buteco. Notou que as Três Marias tinham mudado de lugar. Curioso, resolveu estudar astronomia como aluno especial numa faculdade local. Descobriu que existia pré-requisito, física. Terminou as cadeiras e saiu da casinha. Voltou a estudar para valer. Virou engenheiro mecânico. Fez mestrado e doutorado. Entrou para a Nasa. Foi um dos principais responsáveis pelo guindaste que baixava um robot de uma nave em Marte, o sky crane landing system. O nome da criatura é Adam Steltzner.