Estamos todos doentes – por Luciano Ribas
A morte de uma criança de 13 anos em circunstâncias “obscuras” em uma loja da rede de fast-food Habib’s (após “uma confusão”, segundo o UOL, ou após ter sido “agredido com um soco”, de acordo com o Sul21 e a revista Fórum) revela plenamente o quão profunda é a doença que atinge a nossa sociedade.
Nos tornamos, ou sempre fomos e apenas ainda não tínhamos plena consciência disso, uma junção de seres incapazes de enxergar todos os absurdos que envolvem ocorridos como esse. Aliás, um entre milhares ou milhões de “ocorridos” semelhantes encontrados pelo mundo afora. Basta escolher um ponto no globo e lá acharemos exemplos eloquentes de desprezo pela vida.
Voltando às matérias acima citadas, há nelas, claramente, inflexões que tentam levar o leitor a conclusões diferentes sobre o mesmo fato. O UOL, que é parte da imprensa corporativa umbilicalmente ligada aos grandes anunciantes, cita mais de uma vez que o menino portava um “pedaço de pau” e que ameaçava quebrar os vidros da loja. O Sul21 e a revista Fórum, partes de uma imprensa alternativa que se constrói aos poucos no Brasil através da internet, assinalam que uma testemunha presenciou o soco desferido pelo segurança da loja e que ela foi discriminada por ser uma catadora, tendo o seu depoimento – crucial, se verdadeiro for – descartado pela polícia paulista.
Ambas as matérias podem ser verdadeiras, penso eu. É crível que o menino tivesse um pedaço de pau e que estivesse pedindo as esfirras de baixa qualidade do Habib’s de forma ostensiva. E creio ser muito provável que os seguranças tenham sido violentos e desferido um ou mais socos nele, pois eu mesmo presenciei fato semelhante há alguns anos no BIG de Santa Maria. Mas não é isso o mais importante.
O que realmente importa é que todas essas “circunstâncias” integram a mesma tragédia social: a morte de uma criança de TREZE ANOS que pedia COMIDA e que esse fato provavelmente tenha sido considerado “normal” ou “merecido” por boa parte, talvez a maioria, das pessoas que dele souberam.
Penso que é nessa “meritocracia” bizarra, nessa “normalidade” desumana, que reside a grande doença que matou o João Victor, da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, em pleno domingo de Carnaval de 2017, no século XXI da era cristã. E que, infelizmente, ainda matará muito mais gente.
Links para as matérias citadas:
Revista Forum – http://www.revistaforum.com.br/2017/02/28/menino-de-13-anos-morre-espancado-por-segurancas-do-habibs-diz-familia/
Jornal eletrônico Sul21 –http://www.sul21.com.br/jornal/por-discriminacao-pm-ignora-testemunha-da-morte-de-garoto-em-habibs-de-sp/
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