Coluna

Estrelas e insetos – por Bianca Zasso

Adolescentes que caem na estrada não são novidade. O clássico livro de Jack Keuroac, On the road, já mostrava que a estrada pode ser um lar aconchegante para a juventude. No cinema, uma dupla nem tão jovem assim, mas ainda respirando rebeldia, formada por Peter Fonda e Dennis Hopper, fizeram o sucesso de Easy Rider. O ano de 2016 convidou o público a embarcar pelo asfalto americano Docinho da América, da cineasta Andrea Arnold, dona de um Oscar de melhor curta-metragem. Inglesa, Arnold filma as paisagens americanas com uma câmera trêmula, responsável por uma grande parte da empatia que o filme causa.

Acompanhamos de muito perto a trajetória de Star, uma garota de 18 anos que larga o namorado abusador e folgado e dois primos que ela cuida como filhos para correr atrás de seus sonhos. No entanto, logo percebemos que estes sonhos não são bem definidos e a fuga é mais um grito de liberdade do que uma jornada com objetivos claros. Sua nova rotina é ao lado de um grupo de garotos e garotas de várias partes dos Estados Unidos que são comandados por Kristal e orientados por Jake num negócio, no mínimo, inusitado: vender assinaturas de revistas.

O empreendimento não soa estranho por acaso. Este pano de fundo distante da realidade serve para manter o espectador com a atenção em Star e seus olhares. Quando não estamos ao seu lado, vendo as nuances de sua pele e o nervoso de suas mãos, dividimos com ela a visão com ares de romance da natureza que a cerca. O céu, as crianças brincando na frente das casas, o chão e insetos, muitos insetos. Eles pontuam momentos marcantes do longa e variam de aranhas a borboletas.

O docinho presente no título brasileiro pode soar pejorativo, mas tem uma finalidade: Star tem doçura, apesar de ser dura na queda. Já na cena de abertura, quando ela procura junto das crianças por alguma comida num container de lixo, ela mostra a que veio. A vida é difícil, mas seu olhar para os dois pequenos tem ares maternais inabaláveis.

E há amor em Docinho da América. Verdadeiro, cru e sem grandes rodeios. Jake, uma das atuações mais sinceras da nova fase da carreira de Shia LaBeouf, é algo como o príncipe encantado. O termo é velho e machista, mas se encaixa na situação se levarmos em conta que ele surge quase como num passe de mágica na vida de Star e, após uma troca de olhares num supermercado, está formado o casal que, ao longo das quase 3 horas de duração do filme, vai mostrando uma cumplicidade tocante.

Se o antigo rei dos blockbuster está se saindo um ótimo ator, o que dizer da novata Sasha Lane como protagonista? Sua atuação é tão realista que, aliada à câmera na mão com a qual é filmada, Docinho da América parece um documentário. A venda de assinatura de revistas é a âncora que nos traz de volta a ficção.

Inteligente, porém com devaneios que se alongam mais do que deviam, o filme de Andrea Arnold poderia ter metade da duração para capturar por inteiro o público. Algumas estripulias do grupo de jovens são cansativas e poderiam ser cortadas sem tirar o brilho de Docinho da América. Ou então poderiam ser substituídas pelos insetos que permeiam o amadurecimento de Star, como um respiro. Afinal, quem nunca, entre uma cena e outra, pensou nos próprios sonhos? Se o prezado leitor não sabe o que é isso, ganha mais um motivo para assistir Docinho da América.

Docinho da América (American Honey)

Ano: 2016

Direção: Andrea Arnold

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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