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Senso incomum – por Orlando Fonseca

O senso comum tem a tendência de naturalizar certas circunstâncias, valores, conceitos, e dar como verdade. Na falta de estudo, de leitura, ou no mínimo de curiosidade, para além da preguiça e do preconceito (ideias pré-concebidas, bem entendido) vale o que o imaginário social coloca como a realidade, o real, o tudo.

Não tem culpa o senso comum, que é uma forma de se construir o conhecimento da realidade cotidiana, ou seja, uma estrutura de saber básico com que nos viramos no dia a dia. No entanto, sem a fundamentação da observação e da análise acurada, as coisas podem virar fantasia, ou fake news. Neste momento, em que as redes sociais banalizaram a força da opinião individual, a falta de noção tomou conta de tudo.

Ao contrário da superação dialética, a quantidade não opera a favor da qualidade. A propaganda nazista se encarregou de difundir a noção de que “uma mentira repetida mil vezes vira verdade”. Nesses desvãos é que entram opiniões e até mesmo conduções de políticas públicas baseadas em tal  tipo de percepção do mundo. Aí é que mora o perigo.

Falando nisso, já escrevi em outra ocasião que não entendo por que o suprassumo de uma recepção oficial tenha de ser “com honras militares”. O mesmo vale para um funeral de celebridade, mesmo fora do âmbito militar. Que os militares tenham uma honra oriunda da disciplina e do patriotismo não duvido, nem ponho em questionamento. Contudo, isso é válido para a sociedade civil, paisana, desarmada, de modo a serem tomadas como as maiores virtudes entre os cidadãos, em uma república?

Não se pode esquecer que a ação militar é belicosa por natureza. Por outro lado, pode ser que esse tratamento honorífico signifique, ao contrário da ação principal do militarismo, uma conduta de paz. O que acho, porém, é que as autoridades poderiam também ser recebidas com honras acadêmicas, escolares, ou serem sepultadas com honras olímpicas, artísticas.

Mas só de citar parece absurdo, ridículo, um contrassenso. É porque naturalizamos a noção. Em um contexto em que proliferam os sem-noção, o senso comum passa a ser a palavra de ordem, e o contraditório corre o risco de vir a ser apenas um jogo de “quem grita mais alto”.

Causou uma certa comoção o uso de termos do dialeto pajubá na recente prova do ENEM. Sem que tomassem conhecimento do conteúdo da questão, proliferaram consideração de “especialistas”, alguns raivosos, sobre o que consideram despropósito. Quando são usados termos do dialeto da caserna, do futebol, do economês, está tudo certo, ninguém se constrange, ninguém estranha.

Há uma seletividade perigosa na conjuntura nacional: ideologia é apenas um dos lados; a tendência conservadora não é considerada, pois está do lado do senso comum, ao lado do que se naturaliza na consciência da população. E os que pretendem gerenciar, não apenas as contas públicas, mas também a vontade – mentes e corações do brasileiro – popular, sabem que uma política de controle sobre o idioma é uma tática poderosa.

A palavra tem poder, e eu sei disso, pois tenho vivido dela a minha vida inteira, sou professor de Língua Portuguesa, produção textual, já há 41 anos; sou cronista de jornal desde 1977, publiquei o meu primeiro livro (de 14 individuais, fora os 20 coletivos) em 1985.

Vivo da palavra e sei o quanto pesa. Dominá-la é dominar. E uma das atividades militantes a que me propus, como professor e como escritor, é a de estimular, dar a conhecer, ensinar a manejar os recursos linguísticos a favor da cidadania. Tanto no sentido de produzir quanto no de interpretar.

E estejam certos, caros leitores, os projetos que visam silenciar dialetos de grupos, de esconder certos temas e de propagar notícias falsas só tem um objetivo: fazer prevalecer um determinado discurso. Criar com este uma hegemonia. Para isso, lembrando antigas composições da MPB, “é preciso estar atento e forte”, prestar “atenção no que eles dizem”, pois mesmo quando “eles não dizem nada” estão afirmando algo.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução de internet.

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