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Abolições – por Orlando Fonseca

Abolir a abolição parece ser o que pretende o Congresso Nacional. Será que não se aprendeu aquela lição histórica? Melhor não bulir com fogo: cuidado com a ebulição. A propósito, ao final desta semana comemora-se a data da Abolição da Escravatura. Ainda que, em uma observação acurada, o fato na perspectiva da História não tenha muito a ser celebrado, ao menos serve como referência sobre o que é humano na construção de uma Nação. Lembro-me disso, agora, a propósito de uma proposta que circula na Câmara, a qual, em termos, resgata o abominável regime proscrito com a lei assinada pela Princesa Isabel. O que vale dizer: é apenas impressão minha ou estamos na iminência de retroceder mais de 100 anos?

Nas marchas e contramarchas havidas e instaladas no Planalto, desde maio do ano passado, trazendo no bojo uma falsa impressão de unanimidade, houve quem tivesse a coragem de dizer que o país não avançaria e que, o risco maior era de retroceder algumas décadas. Pois os diversos encaminhamentos em torno de reformas – trabalhista e da previdência -, limpezas moralizantes da política na justiça, a venda do patrimônio público a preço de banana para o  especulativo e predador capital internacional não deixam dúvidas disso. E agora aparece um deputado, representante da bancada ruralista, Rogério Marinho, do PSDB, com uma proposta que prevê, entre outras barbaridades, jornadas de 12 a 18 horas e pagamento através de “casa e comida”. Regime de trabalho equivalente ao de escravidão.

Esta pérola dos “novos tempos” vividos por esta claudicante república, junta-se ao que vem por aí na Reforma trabalhista e na da Previdência. Sob a falácia de “modernização da CLT”, vários itens tornam aguda a pressão sobre o trabalhador, com a desculpa de que só com isso o Brasil vai retornar ao desenvolvimento. Usa-se, com a maior desfaçatez a desculpa de que em outros países já se fizeram tais mudanças. Mas fazem questão de esquecer em que condições. Do mesmo modo que não consideram que, também em outros países desenvolvidos, quando da passagem do regime monárquico para o republicano, houve a reforma agrária.

A chamada Lei Áurea – cujos 129 anos se comemoram neste 13 de maio – é um precedente para o que se faz hoje em termos de criação de leis reformistas. Na base do canetaço criou-se uma situação social de cuja convalescença até hoje padecemos: por um lado, não se indenizou o proprietário, por outro, não se proveu de condições o escravo  posto em falsa liberdade (sem educação formal, analfabetos a maioria, sem dinheiro, sem casa, sem nada). Terreno fértil para a exploração que só fez crescer. As lutas operárias na República Velha produziram leis que foram consolidadas durante o governo populista de Getúlio Vargas, por isso Consolidação das Leis Trabalhistas. Daí também se compreende como mito que a CLT seja cópia da Carta del Lavoro de Mussolini – um dos motivos alegados por quem prega a reforma trabalhista, para retirar os ranços fascistas. Balela Azul.

Em plena segunda década deste século 21, penso que não avançamos tanto em tanto tempo, para retroceder tanto em poucos meses. No entanto, é o que se vislumbra no cenário político brasileiro atual.

LI – E RECOMENDO

O livro Quem matou Roland Barthes, do jovem escritor francês, Laurent Binet, tem todos os ingredientes de um thriller policial: assassinatos, intrigas políticas, traições, romances, investigação. Mas não é nada disso que faz a graça da leitura. Leitura, aliás, é o tema sugestivo por tratar de um dos semiólogos mais importantes na história recente dos estudos da linguagem e da literatura, Roland Barthes.

Em torno de sua morte, digamos, prosaica – ele foi atropelado por uma caminhonete de tinturaria – após um almoço com Mitterrand – então candidato à presidência da França – é motivo para transformar o evento em uma grande conspiração internacional, envolvendo um tal de Clube Logos, onde se resgataria o melhor da retórica clássica. E o motivo seria uma provável Sétima Função da linguagem – quem prestou atenção na aula de Português, sabe que Jakobson apresentou seis. Teria deixado na manga esta que… bem, é melhor ler o romance.

Talvez interesse mais a quem teve algum contato com estudos linguísticos desde os anos 70 – com a ascensão do estruturalismo. No texto de Binet, desfilam em atos os mais cotidianos ou mais escandalosos possíveis, figuras como Júlia Kristeva, Foucault, Althusser, Derrida, Humberto Eco, Searle e muitos outros.

Boa leitura para este momento em que a França vive, por estes dias, as disputas presidenciais, mobilizando conceitos de direita/esquerda, retórica e o escambau.

FEIRA DO LIVRO

Mais sobre livros. Na próxima sexta-feira, dia 12, a Turma do Café terá sessão de autógrafos do seu mais recente lançamento. Para este eu convido.

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