Artigos

Viagens – por Orlando Fonseca

Viajar de ônibus é uma viagem – pra quem não tem nada mais importante a fazer, do que se ver obrigado a prestar atenção em minúcias. Se for o trajeto Santa Maria-Porto Alegre, então, o repertório de bizarrices do cotidiano aumenta muito. São quatro horas em que a possibilidade de acontecimentos fora do padrão ou – no mínimo – para além da tranquilidade que se espera em tal evento, está cada vez mais uma aventura de tal modo inconsequente… Bem, aí já é trecho de um poema de Manuel Bandeira e é viagem em outro mapa – este trecho final é da Cecília Meireles.

Tendo de cumprir agendas em escolas da região metropolitana, entre os meses de abril e maio, coletei uma série de fatos e situações que talvez negocie com a Netflix. Vou elencar algumas para não gerar spoiler em uma possível produção televisiva. Na última, por exemplo, semana passada, fui daqui até a Capital sob o incômodo de uma goteira. Isso mesmo, uma goteira no ônibus. Claro, não era um pingo qualquer. Como eu estava no setor “executivo”, pelo qual se paga uma taxa extra, era uma goteira compatível. Tive de usar – ainda bem que descobri uma utilidade – a mantinha verde que é distribuída aos privilegiados da classe, para amenizar o gotejamento em minha calça, que mesmo assim, chegou molhada em Porto Alegre.

Goteira já ensejou até sucessos do sertanejo de raiz. Em ônibus também existem até mesmo anedotas, com a possibilidade de trocar de lugar – vai que tenha um Sérgio Reis disposto a ir cantando pela estrada da vida: pinga ni mim! Trocar de empresa, como se sabe, ao menos neste itinerário, está fora de questão. O motorista, solícito, anotou a poltrona em que eu viajei para tomar (tomar é bom) as devidas providências. Ainda bem que ele não pediu a minha identificação, vai que eles pensem que eu gostei da aventura.

Nem tudo é desvantagem, há produtos interessantes: você pode comprar sua passagem pela internet; ao longo da viagem pode usar o wi fi – que funciona à sua maneira, mas funciona; tem tomada para recarregar o smartphone, na classe executivo recebe um travesseiro, uma manta e um copo com água. Para alguns será mesmo providencial, porque poderá precisar acalmar os nervos. Sim, porque os brasileiros foram às ruas exigir mudanças na política, mas ainda não aprenderam a voltar o banco à posição original, no fim da viagem. Uma providência simples e descomplicada, mas que certamente vai facilitar a vida do usuário do banco de trás, em seus movimentos de saída. Também não tem a menor preocupação com a cortina, em verificar se o sol não está atingindo os passageiros das outras poltronas.

Nesta última viagem, ao chegarmos em Camobi, uma senhora, que havia perdido o tícket da bagagem, fincou pé e não quis ir até a rodoviária do centro para pegar as únicas malas que restariam quando os demais, que tivessem providencialmente guardado o comprovante, tivessem retirado as suas. Ficamos naquela por 25 minutos, e a solução só apareceu com a intervenção de outros passageiros. Achei que a viagem estivesse completa, mas o passageiro que viajava no banco ao lado, contou que, em uma outra viagem, o ônibus parou no Pedágio e a cancela não abria. Depois de alguns minutos, o motorista voltou e pediu aos passageiros se alguém tinha 50 pilas para poder liberar a cancela. E o companheiro e viagem emendou: “Se não fosse a generosidade de uma senhora, a gente estaria esperando providências até agora.”

LIVRO QUE ESTOU LENDO

Ao longo da minha experiência como leitor, sempre tive um pé atrás com relação a biografias. Embora tenha lido algumas muito interessantes, tanto pela vida do biografado, quanto pela qualidade da narrativa. É justamente esse segundo critério que por vezes me deixou com uma certa desconfiança em relação ao gênero. Nos últimos anos, no entanto, romances biográficos – que reúnem livre criação dos autores com dados fidedignos das personagens – fizeram-me dar uma chance ao gênero.

O texto do autor americano, Chris Greenhalgh, sobre Coco Chanel e Igor Stravinsk é uma delícia; a obra O sonho do celta, do premiado pelo Nobel, Vargas Llosa, é uma consistente narrativa sobre o herói nacional irlandês, Roger Casement. A melhor de todas, no entanto, é O homem que amava os cachorros, do cubano Leonardo Padura, que empreende o desafio de narrar os eventos da conhecidíssima morte de Trotski, e consegue nos prender por quase 600 páginas.

Foi com este espírito que comprei, na última Feira do Livro, o livro As irmãs Romanov, da escritora britânica Helen Rappaport. A história das quatro grã-duquesas, filhas do último tsar russo, cujo reinado foi derrubado pela revolução bolchevique, tem ingredientes carregados de emoção, valor histórico e componentes trágicos. É um livro de 415 páginas em que a autora se preocupa mais em dar veracidade histórica do que criar a verossimilhança típica das narrativas ficcionais. Não há nada de ficção, inclusive a obra tem umas 60 páginas de referências e notas. Não há diálogos, tudo é documentado pela remissão a um diário, obra testemunhal ou matérias jornalísticas. Ou seja, afora o aspecto da relevância histórica, um livro difícil de agradar. Fica a dica, para quem tem curiosidade sobre o que aconteceu no mundo na virada do século XIX para o XX. Nesse sentido, a obra apresenta fatos marcantes do Leste europeu, em uma época em que as monarquias iam perdendo força e grandeza.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo