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O Real Madrid brasileiro nunca existiu (que bom) – por Maurício Brum

Cada vez que eu penso no futebol do início dos anos 2000 e me dou conta de que tudo aquilo já tem mais de uma década (e, logo mais, duas!), sinto-me um pouco mais velho. Principalmente quando a lembrança é nítida, em ricos detalhes. Pois eu lembro muito bem de quando o Cruzeiro, depois de ganhar todos os títulos possíveis em 2003 (o único clube até hoje a fechar uma “tríplice coroa” nacional, vencendo estadual, Copa do Brasil e Brasileirão no mesmo ano), contratou Rivaldo no início da temporada seguinte.

Rivaldo ainda estava longe do declínio do fim da carreira: apenas um ano e meio mais cedo, havia sido protagonista do penta da Seleção Brasileira ao lado de Ronaldo. Então treinado por um Luxemburgo ainda no auge, o Cruzeiro vinha de ganhar tudo e trazia um reforço de peso que certamente ajudaria o clube a estender suas vitórias para a Libertadores. Vários jornais ao redor do país, a Zero Hora entre eles, não hesitaram em cravar: “o Real Madrid brasileiro”.

A comparação fazia sentido. O Real Madrid já era então um time que havia acumulado títulos em anos recentes (nas cinco temporadas entre 1998 e 2002, acumulou três troféus de Champions League) e, mesmo assim, seguia investindo pesado para trazer craques e mais craques. Zidane, Ronaldo, Luís Figo, Roberto Carlos e David Beckham dividiam espaço em uma equipe que ganhara há pouco tempo o apelido de “Galáctica”. O Real Madrid era o padrão-ouro do futebol, ou parecia ser – os Galácticos não deram muito certo após 2003, Ronaldinho (e depois Messi) faria o Barcelona assumir o primeiro lugar na Espanha, e os madrilenhos esperariam muito tempo para voltar ao topo da Europa.

Mas uma coisa permaneceu. Mesmo em tempos difíceis dentro de campo, o Real Madrid virou sinônimo de time que investe pesado para montar um elenco estelar – em 2009, fez as duas contratações mais caras do mundo, à época, para trazer Kaká e Cristiano Ronaldo na mesma janela. E, consequentemente, o Real continuou a ser o time ao qual os outros gastadores do mundo seguiram sendo comparados, particularmente dentro do Brasil, onde o complexo de vira-latas ainda existe muito poderoso quando se trata de futebol de clubes. O exemplo mais recente foi o Palmeiras, que no início deste ano também foi saudado pela velha comparação feita treze anos mais cedo com o Cruzeiro: o Porco era, agora, o “Real Madrid brasileiro”.

Assim como o Cruzeiro de 2004, que não repetiu o sucesso do ano anterior e caiu prematuramente nas oitavas-de-final da Libertadores, o Palmeiras de 2017 saiu de um título nacional para um fiasco continental – e, a bem da verdade, em todo o resto. Em meados de agosto, os verdes de São Paulo agora só têm a disputa por uma vaga na próxima Libertadores em seu calendário desta temporada, muito pouco para os milhões investidos. Nesse sentido, a comparação com o Real Madrid cabe mais do que um primeiro olhar sugere: ela começou a ser feita quando os Galácticos tiveram início. A era Galáctica começou com a hipertrofia de craques em um time que já era campeão, destruindo a mecânica que funcionava.

Com tudo o que gastou, o Real Madrid daqueles tempos também foi um fracasso: passou quatro anos inteiros sem ganhar nem torneio de bolita. Só voltaria a vencer um Campeonato Espanhol em 2007, com um time muito mais humilde. Mesmo Cristiano Ronaldo não foi um sucesso imediato para o clube: trazido em 2009 para combater um Barça que naquele ano ganhou todos os títulos possíveis, levou cinco anos para começar a vencer Champions Leagues pelo clube merengue.

De todo modo, a constatação é simples: o fato de que os nossos Reais Madrids mudam (um dia o Cruzeiro, noutro o Palmeiras, talvez ali adiante o Flamengo), mas o deles continua o mesmo, já é indicativo suficiente de que nós não temos Real Madrid algum. A falta de concorrência séria na Espanha permite aos madrilenhos serem perenes candidatos a todos os títulos, mesmo quando estão mal, algo impossível no Brasil. Desde 1998, a Espanha já venceu dez Champions em vinte disputadas, mas os troféus se dividiram em apenas dois clubes (seis do Real, quatro do Barcelona). O Brasil está próximo: venceu oito Libertadores no período, com uma diferença fundamental – elas foram distribuídas em sete clubes diferentes.

Talvez a nossa falta de um Real Madrid verdadeiro nos impeça de dominar o futebol mundial como os times espanhóis vêm fazendo, mas pelo menos nos garante equipes sempre diferentes com chance de brilhar. Talvez devêssemos parar de comparar criaturas diferentes, afinal. É claro: todos gostaríamos que nosso clube vencesse títulos como um Real ou um Barcelona, mas a vida seria um tédio infinito se nos tocasse torcer para qualquer um dos outros dezoito que jogam a liga espanhola. E tenham certeza: se um dia houver realmente equivalência entre os clubes daqui e da Espanha, não será um Grêmio, um Inter, um Cruzeiro ou um Atlético Paranaense a ocupar o eterno lugar ao sol – isso estará nas mãos dos dois mais ricos, o Corinthians e o Flamengo. Que já vencem o suficiente sem vencerem tudo. Não pioremos as coisas.

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