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Clava forte (?) – por Orlando Fonseca

Semana passada, tomou posse a nova procuradora geral, Raquel Dodge, em substituição a Rodrigo Janot. Já houve um tempo da nossa claudicante República, em que tal fato passaria despercebido da maioria da população. Creio que, mesmo hoje, grande parte sequer entende a dimensão dos fatos que envolveram esta indicação, a cerimônia e as circunstâncias. Não pretendo aqui, até porque me faltam conhecimentos jurídicos, levantar questionamentos sobre o que representa a saída de um e a chegada de outra. Mas, como soe a acontecer com cronistas, vou manifestar em voz alta, certas minúcias – os operadores do direito diriam filigranas – que podem dizer mais do que simplesmente trivialidades em meio à barafunda reinante no setor.

Naquela cerimônia de segunda, dia 18, todos em pé à mesa, como indica o protocolo, em razão da execução do Hino Nacional, não me escapou que a nova PGR, uma das autoridades mais destacadas do judiciário na estrutura de poder republicano, estava ladeada de três investigados da Lava Jato. Justamente os representantes mais destacados dos outros, executivo e legislativo: Temer, Maia e Eunício. Nos discursos que se seguiram, todos falaram em justiça, em exercício efetivo, ético, sublime do respeito à lei e à ordem constitucional. Como se falassem, platonicamente, de uma república ideal, e não do Brasil de 2017. Em sua fala de oito minutos a nova Chefe do Ministério Público prometeu garantir que “ninguém esteja acima da lei”. Não mencionou uma linha sequer a respeito da Lava Jato. Já o indigitado primeiro mandatário do país, contra as flechas de bambu de Janot, desferiu algumas alfinetadas, abordando o tema do “abuso de autoridade”. Como se não fosse ele um conspirador, citado em delações e destinatário de malas de dinheiro, comprador de votos para se manter no poder. Temer tem know how para abusar da paciência bovina do brasileiro. A par da solenidade, tudo me pareceu um teatro de hipocrisias.

Ressalte-se que Raquel Dodge não aparecia em primeiro lugar em uma lista tríplice composta pela consulta aos seus pares. Em primeiro lugar estava um nome ligado a Rodrigo Janot, desafeto juramentado do bi-indiciado Temer. É clara a divisão na Procuradoria Geral, sobre os que se sentem incomodados com a relevância que as investigações sobre corrupção assumiram nos últimos anos. Dodge e sua turma militam em outras áreas, embora tenham atuado em processos do Mensalão. Pesa sobre ela a suspeita de ter sido indicada para dar continuidade ao que Jucá – também envolvido na Lava Jato – sugeriu em uma inconfidência gravada e vazada: “estancar a sangria toda”. Ainda mais porque, como primeiro ato de sua gestão, substituiu oito de dez membros da PGR que atuavam na força-tarefa da Lava Jato na gestão de seu antecessor.

Outro fato que me chamou a atenção é que Rodrigo Maia não cantou o Hino Nacional. Os outros, à mesa, ao menos movimentavam os lábios como se pronunciassem algo do poema de Osório Duque Estrada – à maneira dos jogadores da nossa seleção de futebol. A minha convicção é a de que Maia não pretendia dar chance ao azar recitando a parte: “Mas, se ergues da justiça a clava forte/ Verás que um filho teu não foge à luta”. Ainda que para muitos brasileiros, em vista da seletividade que se observa no campo político, para alguns a clava é débil, não dando a certos figurões sequer a chance de pensar em necessidade de fuga. Pleno de anacronismos e inversões retóricas (e antiguidades éticas), dou-me conta de que o Hino precisa ser revisto e atualizado.

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