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Nau dos insensatos – por Orlando Fonseca

Um psiquiatra americano, Allen Frances, lançou recentemente um livro sobre a sanidade mental dos seus conterrâneos neste momento que ele denomina “era Trump”. Já desconfiávamos todos, desde a eleição do midiático concorrente de Hillary Clinton – os eleitores não tinham lá grandes opções – que os transtornos psicológicos parecem ser uma epidemia na grande nação do Norte. Frances, no entanto, em seu ensaio sobre a loucura deles, argumenta que há uma confusão entre mau comportamento e distúrbios mentais. Nesse sentido, fala tanto do falastrão que mora hoje na Casa Branca, quanto da população que o colocou lá.

Ao anotar essa referência para o que pretendo com esta crônica, lembrei de uma conversa que tive, semana passada, no evento que marcou o início das operações da Medianeira FM 100.9. Em uma mesa do jantar que se seguiu à cerimônia, no papo com o publicitário Beto Oliveira, por alguma razão, chegamos à “Nau dos insensatos”, poema satírico de Sebastian Brant, publicado em 1494. É um emblema muito apropriado para a conjuntura um tanto esquizofrênica que estamos vivendo aqui e alhures. O motivo daquela obra de Brant veio de uma alegoria medieval, na qual loucos em um navio não sabem e não se importam para onde estão indo. Na verdade, é uma longa lista de atitudes humanas que vão do individualismo e a avareza à pobreza de espírito que, segundo o autor, afastam do justo rumo da fé. Coisas que, na realidade do mundo atual, podem ser presentificadas em gestos e no posicionamento crítico das pessoas quanto à vida em sociedade, ou quanto aos cuidados com a natureza.

O poema de Brant influenciou inúmeras publicações e ensaios, como o de Erasmo de Roterdam, o estudo de Foucault sobre a loucura, o romance de Anne Porter, o teatro de Artaud, o cinema de Fellini. Na verdade, a loucura é um dos mistérios da aventura humana que oscila entre a genialidade e a insanidade; alguns loucos são considerados geniais, outros apenas sociopatas.

Alguns são “loucos de cara” e merecem a atenção, como diz a letra da canção de Vitor Ramil. Este inclusive, em tradução de uma música de Bob Dylan, faz reverência a uma personagem, Joquim, um gênio não compreendido – os loucos são os que não reconhecem a sua genialidade. Em muitas situações, a dissociação, típica da loucura, pode ser confundida com falta de compromisso com a realidade, em razão de um egocentrismo exacerbado. Isso pode se verificar tanto nas diatribes de Trump, quanto na atitude de seus eleitores, que, sem pensar nas consequências, simplesmente o escolheram “para ver no que ia dar”, segundo artigo do polêmico jornalista, Michael Moore. É o nonsense político, moda na sociedade hodierna.

Trump ser apenas um néscio autocentrado não teria consequências maiores, se continuasse a dirigir seus reality shows na TV, ou gerenciando seus negócios imobiliários. A questão é que, como presidente da maior potência mundial, ele tem acesso legal ao botão vermelho atômico. E ele pode, pelo que tem demonstrado em seu hedonismo, fazê-lo “para ver no que vai dar”, ou apenas para dar um susto no “homenzinho do foguete”, como chama o ditador coreano, Kim Jong Un – que também parece feliz com seus brinquedinhos de vilão. Estamos bem: olha só quem está no leme desta nau dos insensatos, dois exemplos de quem despreza o bem público, incluindo aí o nosso bem-estar. A loucura de Trump, no entanto, tem preocupado muita gente com a cabeça no lugar – ao menos é o que penso. Um grupo de 27 psiquiatras, psicólogos e especialistas em comportamento social lançaram, neste mês, um livro sobre os perigos que rondam os Estados Unidos e adjacências – vai sobrar pra nós. Já para o psiquiatra Frances, na obra já citada, é ofensivo para pessoas que têm transtornos mentais ser comparado aos destemperos de Donald Trump. Ainda conclui que esse chegou lá por ser esperto, e faz um mea culpa: “nós é que somos loucos por tê-lo eleito”. Isso é o que eu chamaria, parodiando Erasmo de Roterdam, o “elogio da loucura”, que assume novos contornos, não racionalistas, neste início do terceiro milênio.

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