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O erro – por Orlando Fonseca

Foto Marcelo Camargo / Agência Brasil

O que faz do futebol um esporte tão excitante, imponderável, imprevisível? O erro. Não apenas dos vinte e dois jogadores, mas em especial – e principalmente – do árbitro. Se todos agissem de modo eficaz e consequente, éticos ou elegantes, a partida poderia ser um enfadonho empate. Não haveria torcedores, não haveria transmissões, não haveria campeonatos regionais, copas intercontinentais ou – que lástima – mundiais. Os atacantes sempre que afrontassem a meta contrária acertariam aquele espaço de 7,32m x 2,44m, tendo o cuidado de desviar das hábeis mãos e elasticidade corpórea do sujeito – chato – encarregado de estragar a festa dos artilheiros. A bola, de modo inapelável, iria se aninhar no fundo da meta. Por sua vez, juízes e bandeirinhas não teriam dúvida quanto à legalidade do ato. Todos nós, amantes do esporte bretão, acharíamos coisas mais interessantes a fazer, jogando paciência, dominó ou conversa fora na mesa de um boteco qualquer. Mas, graças aos deuses do futebol – que têm parentesco em todas as instâncias místicas, nórdicas, chinesas ou centro-africanas – não é o acerto que torna o esporte algo viciante, mas a possibilidade iminente do erro. E isso é o mais próximo da essência humana que podemos chegar.

Da pelada no terreno baldio à final da copa do mundo da FIFA, passando pelos encardidos campeonatos de várzea, os catimbados embates nas altitudes andinas, ou nos engomadinhos derbies das copas europeias, o que impulsiona atletas atrás de uma bola de couro-e-ar é a possibilidade de um vacilo, próprio ou do adversário. É isso que iguala a todos os envolvidos em uma partida de futebol – incluindo aí os narradores e os comentaristas. Se todos que entrassem em campo se sentissem um Messi, um Neymar (Pelé não, que este já nasceu em um nível superior) ou um RC7, seria maçante, uma vez que, após o pontapé inicial, todos saberiam que, quem atacasse pra lá faria o gol, e uma vez reiniciada a partida, quem chutasse para o outro lado faria o seu.
A possibilidade de que algo dê errado em um passe entre o volante e o centroavante é que dispõe a turma a disputar, como se fosse a própria vida, a posse da bola. O erro, nesse caso, também exerce o seu fascínio sobre o espectador – torcedor – por um truque de alteridade: sente-se o erro do outro, não é você, não sou eu quem o comete, mas é um dos nossos. Por outro lado, torce-se ardentemente para que um desafortunado do time adversário erre, e assim nos conceda um vislumbre da glória.

Talvez por isso é que a FIFA tenha demorado tanto para admitir os recursos tecnológicos para corrigir falhas de arbitragem. Embora o que tenha precipitado tal coisa tenha sido a descoberta, pela CIA, de que esta “virtude” tem enriquecido o bolso de alguns. Mas concedo aos virtuosos humanos da federação internacional o temor de que o futebol perca a sua essência, porque o esporte é praticado em uma margem muito tênue, entre acertos e erros – mais erros que acertos. O árbitro de vídeo corre o risco de estragar toda a ilusória perfeição do futebol. Não haverá discussão no começo da semana. Vai nos expor às nossas piores mazelas, vai confirmar – não sei para quê – a nossa mais comezinha humanidade. Porque é isso o que o futebol tem de essência: é capaz de nos reduzir ao mais humano que somos. Nunca ouvi dizer que “acertar é humano”. O craque que é capaz de fazer um lançamento de 45 metros na cabeça do atacante, o qual cabeceia a bola direto no gol, é coisa divina, de gênio, e o sujeito é extraterreno. Errar é que é humano. E nisso se inclui o discernimento – em segundos – do árbitro, que no atual estágio da justiça desportiva brasileira, tem-se mostrado verdadeiramente humano. Como diria Nietzsche se, por acaso, apreciasse uma partida do campeonato brasileiro, por estes dias: demasiado humano! Que venha o árbitro de vídeo então, mas que vai tirar a filosofia da coisa, lá isso vai.

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