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Amor e ódio – por Orlando Fonseca

No meio de tantas manchetes bombásticas sobre política e economia, uma notícia cultural chamou atenção, semana passada. Proposta, digamos, um tanto inusitada de Hans Donner, designer alemão naturalizado brasileiro, mais conhecido por suas criativas aberturas de novelas e outras artes na TV Globo. Em sua participação no Fórum do Amanhã, em Minas Gerais, apresentou um novo modelo de bandeira do Brasil. Isso mesmo, o pendão da esperança, o símbolo augusto da paz, cantado por Olavo Bilac e reverenciado em solenidades militares ou agitado nos estádios de futebol.

Permanecem o losango e o círculo, mas as novidades ficam por conta de tons degradês das cores verde e amarelo e inclusão da palavra “amor” na faixa que traz a inscrição “ordem e progresso”. Em vez de gerar uma corrente de afeto, a proposta virou meme na internet, aliás, como tudo no Brasil atual. A galera encontrou rapidinho inúmeras formas engraçadas de tirar sarro do Donner.

Nesta semana em que se comemora a República, seria até algo muito apropriado a se pensar, já que o símbolo nacional foi criado em 1889, justamente quando da sua Proclamação. Desde lá se mantém inalterado, a não ser para alguns acréscimos no “lábaro estrelado”, em vista dos novos estados que se criaram. Agora tem até uma petição virtual para propor ao Congresso Nacional a mudança na bandeira.

Segundo o proponente, trata-se de uma “nova visão do país”. Será que o “degradê” teria algo a ver com degradação? Talvez não, embora o verde das matas tenha se reduzido e muito nas últimas décadas, e ouro, como todos vocês estão carecas de saber, já deve ter virado pó, com tanta gente sendo pega metendo a mão na cumbuca do Tesouro Federal.

Em meio à proliferação da cultura do ódio, tanto na internet quanto nas manifestações das ruas, a palavra amor na bandeira teria um valor simbólico importante. Na verdade, não seria uma inclusão, mas uma reposição, pois os positivistas que criaram a nossa Bandeira queriam a frase original daquele pensamento filosófico. E já perdemos outras oportunidades de tratar do tema. O antropólogo Sérgio Buarque de Hollanda sustenta em seus ensaios a tese do “homem cordial”, como o caráter essencial do brasileiro. Mas as redes sociais estão aí para dar razão aos seus pares que o contestam.

Nos anos 70, em meio à ditadura e à repressão política, os hippies pregavam “paz e amor”, que só vicejaram nas canções, porque a realidade continuou com sua cor e peso de chumbo. No hino brasileiro, há três menções ao amor, propriamente dito. Primeiro como um “raio vívido”; depois, como uma celebração da natureza, parafraseando Gonçalves Dias: “nossa vida no teu seio [tem] mais amores”; por fim como eterno, tendo a bandeira por símbolo.

Amor por princípio – não é uma má ideia. Junto com a inflação e o desemprego, o ódio tem crescido, motivado pelas diferenças – regionais, étnicas, religiosas ou ideológicas. São inúmeros os exemplos de desunião por escolhas políticas, por exclusão em razão de cor da pele ou pela condição social; no parlamento se organizam bancadas pelo interesse de se portar arma ou professar uma determinada fé.

No entanto, somos uma democracia, e divergências políticas deveriam ser uma rotina na convivência republicana. Somos ainda uma nação jovem, diante de outras culturas milenares, ou democracias mais consolidadas. Temos muito a aprender, mas não podemos renunciar ao projeto republicano de promover o bem comum.

Se for aceita a mudança na bandeira, só espero que não se esculhambe o amor, assim como já se fez com os outros elementos ideais do dístico positivista: o que deveria ser chamado de “ordem” virou uma desordem geral e não podemos chamar o curso atual de nosso desenvolvimento de “progresso”, porque em vários setores – da economia à educação – o que se vê é um retrocesso.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é reprodução da internet,.

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