Coluna

Homens em conflito – por Bianca Zasso

A frase “no meu tempo as coisas eram diferentes” é uma constante em muitas bocas por aí e tem o seu quê de verdade. Sim, nas décadas passadas as coisas eram diferentes, o que não significa que eram boas ou que devemos fazer da vida um VHS (um termo desconhecido para alguns leitores desta coluna) e rebobinar o tempo.

Não vivemos tempos perfeitos e é provável que eles jamais existirão. A culpa é toda nossa, por mais que nas conversas nas esquinas sempre tenha quem nomeie um novo culpado. Inspirada pelas pequenas maldades que ainda insistem em permanecer na nossa rotina, a cineasta dinamarquesa Susanne Bier trouxe todas as suas divagações sobre a violência para Em Um Mundo Melhor.

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011, o filme une três homens e suas diferentes reações diante de sentimentos como injustiça, raiva e perdão. Logo na cena de abertura, a tela é inundada pelos tons dourados das areias africanas, onde um campo de refugiados se ergue. Entre centenas de pessoas e várias ameaças de ataques, o médico Anton se multiplica em vários para dar conta das vítimas que chegam a todo momento. A ótima interpretação de Mikael Persbrandt parece indicar que ele será o protagonista e que sua vida dividida entre a casa na Dinamarca e o trabalho na África será o centro da história.

Mas Susanne Bier usa Anton como porta de entrada para dois personagens jovens e intensos. Elias, filho de Anton, e seu mais novo colega de escola Christian. O primeiro sofre bullying de garotos mais velhos sem reagir, atitude que logo descobriremos estar ligada ao estilo pacífico de seu pai.

Christian, em contrapartida, é um menino com fúria nos olhos, de expressão sempre séria. O talento do ator que o interpreta, William Johnk Nielsen, colabora para que o espectador crie uma relação de curiosidade e aversão na mesma medida pelo personagem, ainda mais depois da primeira atitude extrema tomada por ele ao espancar o colega que pratica bullying em Elias.

Em Um Mundo Melhor apresenta estes três homens em fases diferentes da vida, mas que se relacionam com a violência e suas consequências de maneiras extremas. Se Anton aguenta levar um tapa na cara de outro homem sem revidar, Christian não pensa duas vezes antes de buscar vingança. As relações entre pai e filho também são cercadas de paradoxos. Há amor e ódio numa proporção quase idêntica e mesmo um garoto sem problemas de relacionamentos familiares como Elias acaba rendendo-se ao doce sabor do revide, muito graças ao poder de persuasão de Christian.

Susanne Bier não usa entrelinhas na construção de seus dois personagens adolescentes. A apresentação não possui um pingo sequer de inocência. Basta prestar atenção no diálogo entre Christian e seu pai sobre a morte de sua mãe. As acusações são pesadas de ambos os lados e o filme não toma partido, deixando para quem assiste escolher de que lado quer ficar. Ou se quer algum lado. A marcação feita pela fotografia, que mostra a Dinamarca com tons mais sóbrios e cenários urbanos cheios de concreto e ferro, parece demarcar onde mora o maior dos perigos, mesmo que o brilhante deserto onde Anton trabalha tenha mais sangue derramado que a selva da cidade.

A única peça que parece não se encaixar em Em Um Mundo Melhor é Marianne, a mãe de Elias. Suas poucas aparições contém atitudes agressivas que soam exageradas. É perceptível que ela encontra-se em crise devido ao processo de divórcio de Anton e o comportamento de Elias, mas sua atuação, não se sabe se por indicações da direção ou não, beiram a histeria.

Num filme dirigido por uma mulher é um tanto estranho ter-se tão pouca atenção com a personagem feminina, mesmo que a trama gire em torno de três homens confusos com seus instintos mais primitivos. Marianne poderia ser um ponto de intensificação ou mesmo de equilíbrio para os outros personagens, mas surge apenas no papel de mãe que trabalha demais. Pouco sabemos sobre sua relação com Elias ou sobre o que causou o rompimento com o marido. Susanne Bier talvez tenha guardado para si onde mora a raiva mais contida e preferiu que a mulher de seu filme se mantivesse distante para que os três homens vivessem sem seu auxílio um caminho cheio de engasgos e onde eles pouco se permitem gritar.

Em um mundo melhor (Hævnen)

Direção: Susanne Bier

Ano: 2010

Disponível em DVD e Blu-Ray

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo