Artigos

Indelicadezas e outras querelas pedagógicas – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

Queiramos ou não, para muitas pessoas o único lugar que irão ter acesso à Cultura dar-se-á nas instituições escolares. A exclusão econômica de milhões de brasileiros ao mundo do trabalho e de parcos salários faz com que suas prioridades sejam da mera, quando possível, sobrevivência da vida biológica e de outras necessidades elementares, tais como vestuário e moradia. Neste contexto a escola e seus profissionais, em todos os níveis, passam a assumir um conjunto de atribuições que deveria ser da família, da sociedade e do Estado.

A escola é uma imagem espelhar de nossa sociedade. Os grandes paradoxos que configuram e definem nossa sociedade se materializam na práxis escolar. Os fazeres e os saberes que medeiam as relações sociais no intramuros da escola são agentes produtores de transformações sociais e pessoais, mas paradoxalmente são instrumentos de reprodução das exclusões e discriminações que vivenciamos em nossa sociedade excludente e funcional que reflete a competição e a vida egoísta que dita os cânones do mantra capital.

Se a competição é o modus operandi das relações sociais na sociedade capitalista, a escola e sua organização reproduz esta lógica, tanto no que diz aos seus processos de avaliação classificatória quanto à hierarquização das relações de poder. A meritocracia e a raivosa competição que caracterizam o sistema do capital exige que a escola prepare os seres humanos para tal e acatem passivamente todas as formas de exclusão e as indelicadezas interpessoais de uma vida vivida sob a égide da competição.

O fundamento filosófico que define o liberalismo, ideologia capitalista, se funda na Teoria biologicista da Sobrevivência das espécies de Charles Darwin, onde só sobrevivem, na arena da competição, os mais fortes. Só sobrevive o melhor competidor e, portanto, mais adaptado a filosofia egoísta do capital e, aqueles que destoam e saem dos pontos do gráfico da dita “normalidade” são magoados, sofrem e são excluídos do pseudo banquete dos competidores privilegiados.

Quando nos movimentamos pelos campos epistemológicos da Teoria Política e da Sociologia verificamos que o mundo das estruturas sociais, de forma ideologicamente impositiva, subsume o ser humano e suas práticas sociais aos interesses a ditadura dos  regramentos, papéis sociais e das normas. De forma hegemônica, na escola, a defesa das estruturas de poder, da obediência e dos regramentos faz com que o aprendizado do conhecimento e valores solidários fiquem em segundo plano.

O “vigiar e punir”, como aparato ideológico do capitalismo, coloca o desenvolvimento humano como um elemento periférico e subserviente ao bom comportamento que a sociedade excludente e egoísta necessita. Alunos sensíveis e que não se enquadram nessa lógica mercantilista são taxados como “problema” e viram persona non grata à esquizofrênica e passiva dinâmica escolar. Aluno bom é aluno bem-comportado e que obedece cegamente o sistema totalitário das regras.

Para registrar as indelicadezas pedagógicas que a escola é capaz de propiciar vou me remeter a minha memória cultural e afetiva e de algumas pessoas de meu convívio. Para começar eu diria que se fosse depender de uma professora que tive na infância jamais seria professor e apaixonado pelo conhecimento que o ser humano produziu na e através da História Universal. Com oito anos de idade e na segunda série minha professora queria me expulsar da escola. Minha vida escolar foi salva pela minha professora da primeira série que afirmou para nossa diretora da escola que eu era um menino muito simpático, alegre e de bem com a vida.

Fui entender a postura despótica de minha professora após muitos anos de estudos sobre Educação, Filosofia, Sociologia, Literatura e Psicanálise. Minhas conclusões sobre esse desagradável fato foi que, a bem da verdade, minha forma alegre e comunicativa de ser representava uma agressão simbólica para minha entristecida e ranzinza professora. Os fantasmas que atormentavam

sua embrutecida alma não comungavam com minha manifesta alegria de viver.

Em detrimento ao prazer de conhecer o formato burocrático e a defesa radical dos regramentos comportamentalistas exclui os ditos não normais do prazer do conhecer e o convívio social prazeroso que a escola pode propiciar. Já ouvi vários relatos de crianças filhos de amigos que me deixam entristecido com certas práticas sociais vivenciadas na escola. Em pleno século XXI ouço que alunos “de castigo” ficam presos, durante o recreio, na sala de aula. Conheço crianças altamente criativas com verdadeiro pavor pela escola.

Num certo sentido, a hegemonia da regra e da norma, vem reproduzindo a visão medieválica da imputação da culpa e seu consequente processo de penalização. Diz um ditado de senso comum, mas que se demostra verdadeiro, que o para “endireitar” um “louco” você oferta-lhe remédios e clínicas e a criança é só colocar na escola. É árduo e mal remunerado o trabalho do professor. Toda plataforma de uma campanha política coloca como prioridade a Saúde, Segurança e Educação Pública como prioridades para o futuro processo de gestão.

Falácias e demagogia política, pois na prática essas áreas são negligenciadas. Salário Digno e boas condições de trabalho são o ponto de partida para a Saúde, a Segurança e a Educação Pública ofertar qualidade social em seus processos de trabalho. Pela natureza de nosso processo de trabalho, nós Educadores sabemos que não basta termos bom domínio de nosso campo epistemológico de formação, mas como trabalhamos com seres humanos e com interesses políticos temos que ampliar profundamente nossa área de estudo e conhecimento para conseguirmos um trabalho qualificado.

Neste contexto, podemos afirmar que nenhuma razão ideológica ou econômica podem justificar qualquer forma de injustiça. Em vez do pragmatismo da competição que impera em nossa sociedade e como consequência em nossas escolas, o trabalho escolar deve se pautar em valores solidários para que nossos alunos adquiram prazer pelo conhecimento e as vivencias sociais que e a escola pode propiciar. Dogmas religiosos ou ideológicos não devem, de forma alguma, mediar o trabalho escolar.

Para finalizar, gostaria de pinçar uma expressão filosófica de Hagnes Heller quando afirma que “toda forma de vida pressupõe uma filosofia e toda filosofia pressupõe uma forma de vida”. A escola e o conhecimento escolar devem ter a função de problematizar e decodificar a filosofia e as formas de vida que a sociedade, de uma forma geral, e a sociedade escolar, de forma particular, reproduzem e vivenciam. O conhecimento contextualizado é um início para que as pessoas adquiram o prazer de conhecer e estar na escola.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo