Coluna

Mãe e filha – por Bianca Zasso

Costumamos lembrar dela em nossas conquistas mais suadas e também nos períodos complicados, onde nada parece dar certo. Há quem diga que ela é a base de tudo e que, mesmo que estejamos a centenas de quilômetros de distância e felizes, ainda assim ela será sempre nosso porto seguro. É assim que costumam definir família em cartões de Natal (que já estão sendo vendidos, diga-se de passagem) e também nos discursos emocionados, seja de funcionário do mês ou de Prêmio Nobel.

Mas uma coisa chamada cotidiano nos prova que família não é algo fácil de lidar. São muitos humanos e suas complexidades próximos demais. Talvez esse seja um dos motivos para mesmo nos espectadores mais avoados, uma família perfeita como personagem soe inverossímil, até perigosa. Sem conflito, a vida não anda. E nunca um conflito foi tão belo e verdadeiro quanto em Laços de Ternura.

Dirigido e roteirizado por James L. Brooks, com base no romance homônimo de Larry McMurtry, o filme segue a receita tipicamente hollywoodiana para conquistar o público. Entre os ingredientes estão uma mãe perfeccionista e um tanto ranzinza, Aurora, para contrabalançar a libertária e otimista filha, Emma. A trama segue a vivência das duas ao longo de quase uma década, equilibrando brigas e ajudas.

Até que uma pedra no caminho surge sob o nome de câncer. Emma inicia um tratamento e também um novo ritmo na relação com sua mãe, seus filhos e seu marido, Flap, vivido por um jovem Jeff Daniels. Uma história feita para causar lágrimas e que já foi apresentada nos mais diversos estilos, com mais ou menos talento. O que torna Laços de ternura digno de nota e também merecedor das cinco estatuetas do Oscar que ganhou é a dupla elenco e diálogos.

Debra Winger pode não ter levado o homenzinho dourado para adornar sua estante, mas sua Emma é encantadora de tão irresponsável. Emendando uma gravidez na outra e tendo que dar conta da casa sozinha, já que Flap está mais preocupado em construir uma carreira de professor na universidade, ela poderia ser definida como a clássica Amélia, sem a menor vaidade.

Só que, ao contrário da moça da canção de Mario Lago, ela era sim, mulher de verdade. Mãe de verdade. Ciente do machismo de verdade. Filha de verdade. Há frases ditas por ela que parecem detalhes para preencher uma cena, mas que se encaixam com perfeição na rotina de muitas de nós que estamos aqui hoje, bem longe dos anos 80, mas ainda lidando com as mesmas coisas. Os trejeitos atrapalhados e o carinho demonstrado com os filhos soa genuíno em Emma, assim como Daniels imprime em Flap aquela cara de estafa diante dos afazeres domésticos, mesmo que ele não lavando um prato sequer.

Num determinado momento, ele questiona se a esposa vai deixar os filhos sob seus cuidados. A resposta devia virar hino: “eles são seus filhos e também estão sob seus cuidados”. Bang! A ética do cuidado que nos pesa nos ombros é escancarada para os pais, estes seres que são elogiados quando ajudam quando o certo seria criar, em doses iguais ou no mínimo discutidas.

Temos também Shiley MacLaine, soberba, trazendo para as telas uma Aurora que, mesmo depois de descobrir o lado bom do sexo com Garret (o sempre malandro Jack Nicholson) ainda parece ter segredos escondidos e um jeito duro de encarar a maternidade. Os longos papos ao telefone com Emma nem sempre acabam bem, mas ela não perde o hábito.

É a voz da filha que lhe resta quando todos vão embora de sua casa impecável. Fica a dúvida se há em Aurora um desejo de se jogar de cabeça nas coisas, como Emma fez desde sempre, ou um medo de demonstrar fraqueza caso algo saia dos eixos. É um retrato delicado e nem um pouco caricato da relação entre mãe e filha, que merecia ser estudado com mais afinco numa sociedade onde as mulheres são incentivadas a competirem umas com as outras desde cedo.

Na maioria das vezes, só nos resta a mulher mais próxima para pedir auxílio e voltar a acreditar na sororidade. E essa ternura presente no título é refletida na fotografia que começa solar e vai ganhando tons de cinza conforme a doença de Emma se aproxima e na trilha sonora emocionante composta por Michael Gore.

É compreensível que Laços de Ternura agrade mais mulheres do que homens. As relações entre pais e filhos é diferente, porém não menos complicada. Freud tenta explicar, mas psicanálise nenhuma consegue traduzir a loucura que é a vida em família. Com o filme disponível nas plataformas streaming, fica o convite para subverter esse tal “filme de mulher”, onde o choro das crianças não é silenciado e olhar-se no espelho tem um significado que vai além da vaidade.

São mulheres se encarando de frente e nem sempre mantendo o olhar. Se aceitar dói. Mudar dói. Amar dói. Queridos homens, assistam. É possível que vocês percebam que Flap é um babaca. Só não esqueçam disso quando trocarem uma simples fralda suja pelo futebol de domingo com a desculpa de que é pai e provedor. Cinema também é lugar de rever conceitos.

Laços de Ternura (Terms of Endearment)

Ano: 1983

Direção: James L. Brooks

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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