Coluna

Dúvida cruel – por Bianca Zasso

Quem nunca chegou nem perto de uma obra de ficção-científica, seja filme ou livro, costuma ter como principal crítica o fato das tramas se passarem em realidades distantes e tratarem de conflitos que jamais viveremos. Ouso dizer que se o prezado leitor partilha dessa opinião, precisa rever seus conceitos e dedicar algumas horinhas a alguma peça clássica do gênero. Podemos estar em outro planeta, em outro século, num universo paralelo, mas ainda haverá sangue correndo em cada linha, em cada cena.

Ficção-científica é, antes de tudo, uma forma de brincar com coisas sérias e desanuviar situações que, no tal mundo que chamamos real, são complicadas e sombrias. Aniquilação, uma das últimas produções originais da plataforma Netflix, pretende ser um sci-fi com pé nos dramas cotidianos. Mas, assim como nós, humanos, peca pelo excesso de caminhos que se propõe a seguir.

Tentar resumir a trama seria tirar o sabor de algumas cenas reveladoras, que são alguns dos momentos que valem a sessão do filme. Lena, interpretada por Natalie Portman, é bióloga e está passando por uma situação delicada: seu marido saiu para uma suposta missão militar e não voltou. Um ano se passou e ela ainda chora a falta e a dúvida sobre o destino de seu companheiro.

Um belo dia, mudando a cor das paredes do quarto na esperança de dar novos tons para sua vida, Lena se depara com o marido, que chega em casa como se tivesse saído pela manhã, tranquilo e sereno. Emoções primárias superadas, logo Lena e o espectador percebem que há algo errado com o marido. “Algo errado” é um termo que vai surgir na cabeça de quem assiste Aniquilação mais de uma vez e por diversos motivos.

Isso porque o longa dirigido pelo talentoso Alex Garland, que já havia presenteado os fãs do cinema de ficção científica com o ótimo Ex Machina: Instinto Artificial, na ânsia de tentar transmitir toda a complexidade humana e trazer mensagens sobre autodestruição e os limites de avanço do homem diante da natureza, acaba atirando para todos os lados. Literalmente, inclusive, já que Lena é uma ex-militar que aponta sua arma tanto para as colegas de jornada em busca de respostas sobre o misterioso “brilho” que circunda um local misterioso, quanto em animais mutantes que surgem do nada e parecem afetar os nervos de quem está por perto.

A ideia do roteiro, baseada no livro escrito por Jeff VanderMeer, não é ruim, mas foi levada para as telas com inúmeras referências nada sutis. A paisagem, com suas flores coloridas e que brotam em lugares insólitos, lembra bastante o cenário da obra-prima Solaris, de Andrei Tarkovsky. Mas o que no filme do russo é retrato de melancolia, aqui é overdose de efeitos especiais, alguns de gosto bem duvidoso, já que não estamos diante de um filme assumidamente B ou dado ao escracho.

Aniquilação é um filme em ondas. Vai oscilando do terror ao drama feminino, do universo alienígena ao dilema homem x máquina. Todos temas interessantes, mas que por não serem aprofundados como deveriam, soam como experimentos visuais e não um filme homogêneo. O elenco, de maioria feminina, é talentoso, mesmo tendo que lidar com diálogos chatos e aparições (e mortes) que mais causam dúvidas que diversão ou questionamento.

Natalie Portman tem o olhar perdido perfeito, mas sua Lena só convence mesmo nas cenas de flashbacks, que mostram sua rotina antes de entrar no tal “brilho”. Jennifer Jason Leigh dá um clima de mistério com sua personagem, mas poucos irão prestar atenção, já que a tela estará tomada por cenários que misturam flores, metal, luzes ofuscantes e formas que lembram castelos de contos de fada. O desejo de desvendar o porquê disso tudo acaba fazendo com que prestemos pouca atenção à interpretação.

Aniquilação é um filme que pede revisão logo depois dos créditos finais. A primeira de muitas. Pode ser que seja um dos casos de filmes que só serão compreendidos décadas depois de seu lançamento. Ou podem ser esquecidos no mês que vem. Há algo errado. Nem bom, nem ruim, apenas errado. Nem a contemplação poética de 2001: Uma Odisséia no Espaço, nem a adrenalina ininterrupta de Alien – O Oitavo Passageiro. Aniquilação deixa dúvidas. Apenas dúvidas.

Aniquilação (Annihilation)

Ano: 2018

Direção: Alex Garland

Disponível na plataforma Netflix

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