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ESPAÇO ALVIRRUBRO. Leonardo da Rocha Botega e a vitória de um clube dentro e também fora de campo

Como é lindo ver o Alvirrubro se reencontrar com a sua história

Ferreira Gullar certa vez escreveu que a história não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais, mas também se desenrola “nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas”.

Humildemente olho para o céu e peço permissão ao grande poeta maranhense para acrescentar: a história também se desenrola nos campos de futebol. O que seria da paixão futebolística sem a história? Sem as imagens daquele lance ou daquele gol bonito que são contados de pai para filho? Mas não são apenas os lances e gols que fazem a história de um clube, ela também é feita pelas causas éticas que os anônimos torcedores e o clube defende.

A história do Dínamo Kiev da Ucrânia, por exemplo, é marcada por um jogo onde seus atletas preferiram vencer e morrer do que perder e viver com a consciência de terem entregado um jogo contra os soldados nazistas. Uma perda que contribuiria para reforçar a ideologia da superioridade ariana propagada por Hitler e pela extrema-direita alemã.

O nosso glorioso Inter-SM também tem em sua história a marca da luta contra a intolerância. Quem não lembra ou ouviu falar da Maré Vermelha? Uma das primeiras torcidas LGBTTQ do Brasil, que no acender das luzes da redemocratização trazia o colorido da luta contra o preconceito para a Baixada Melancólica.

Lúcio, Monovan, Marcelino, Badeco, Marquita e os demais membros da torcida são tão parte da história do clube quanto Oreco, Toninho, Robson, Gerson, Nei, Alex Rossi, Índio, Badico e Chiquinho. Oxalá que um dia a Maré Vermelha volte! Que Badeco e Marquita venham assistir conosco o próximo jogo!

A história do Alvirrubro esteve mais viva do que nunca no jogo contra o Guarani de Venâncio Aires. Pouco antes do início da partida nossos jogadores adentraram no gramado vestindo as camisas e portando a faixa da campanha Racismo Basta, afirmando que, em tempos de desumanização, o espírito de luta contra a intolerância (preconizado pela Maré Vermelha) continua vivo.

Naquele momento, o Inter-SM não somente se reencontrava com a sua história como abraçava solidariamente o Elisandro, a Fernanda e os demais jovens negros que lutam por um lugar ao sol em meio à desigualdade brasileira. Abraçava também os seus torcedores negros que no último jogo da Divisão do Acesso de 2017, em Ijuí, foram chamados de macacos e pretos sujos sob o olhar complacente de quem deveria conter tal crime. Esse ato, muito mais que simbólico, por si só representou uma vitória.

Mas não foi somente esta vitória (muito mais digna e ética do que qualquer resultado de partida) que marcou o jogo. Em campo, o time realizou o desejo de sua torcida e mais uma vez venceu. Uma vitória que começou a ser construída na habilidade e na velocidade dos meninos Jardisson, Jackson e, sempre ele, “El Mago” Pablo. Aos 2 e aos 11 minutos, Jackson teve duas chances de abrir o placar. Primeiro com um chute que não saiu muito bom, depois com uma cabeceada que testou o aquecimento do goleiro Otávio. E foi assim, intenso como o desejo de que o racismo acabe, que o gol foi se desenhando.

Aos 20 minutos, Jardisson, o Raio Alvirrubro, limpou um, dois, três, quatro adversários e rolou para Maldonado que chutou para a defesa de Otávio. Porém, a bola é como uma pessoa amada, procura quem a trata com carinho, e parou nos pés de Pablo que cruzou na área onde estava Chiquinho que de cabeça fez 1X0.  Ainda no primeiro tempo, Théo e Chiquinho obrigaram o goleiro do Guarani a mais duas defesas. O primeiro tempo terminou com aquele gostinho de quero mais.

No segundo tempo, parecia que este gostinho seria saciado. Aos 7 minutos, Jackson após receber um lançamento de Pablo chutou por cima do gol. Aos 9 minutos, Pablo, mais uma vez (mas desta vez não tão genial como contra o Santa Cruz, afinal não é sempre que um artista pinta uma grande obra), driblou o marcador e cruzou para a área e, mais uma vez, nenhum pé mágico apareceu para concluir a jogada.

A partir dos 15 minutos, o Guarani lembrou que este era um jogo que valia seis pontos e passou a ameaçar. Porém, uma ameaça tosca, que só foi superada pelo ato de um de seus zagueiros. Irritado pela demora na reposição de bola (e talvez atordoado pelos constantes dribles que vinha tomando), tal zagueiro proferiu ofensa contra uma das meninas que trabalham nos jogos da Baixada Melancólica.

Fora de sintonia com o espírito do jogo, não percebeu que os jogadores alvirrubros têm a obrigação de estar à altura da história do Inter-SM. E alguns destes partiram firmemente para cima do autor daquela covardia machista afirmando: lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive no estádio de futebol! Respeite as minas!

No jogo do futebol contra a intolerância, jogar de forma tosca não faz o time ganhar, mas pode fazer você ir tomar banho mais cedo. E foi o que aconteceu aos 41 minutos, quando o lateral esquerdo do Guarani, Vinicius, que passou o jogo inteiro recebendo dribles e distribuindo pontapés, foi expulso. Com um jogador a mais, os torcedores alvirrubros passaram a ter duas tarefas: pressionar pelo apito final e secar o Lajeadense (nosso próximo adversário).

Cumprimos tão bem nossa tarefa que, pela primeira vez nesse ano, iniciaremos a semana na zona de classificação. Voltei para casa feliz com a vitória dentro de campo! Mas voltei mais feliz ainda ao ver o Inter-SM na luta contra o racismo! Afinal, como é lindo ver o Alvirrubro se reencontrar com a sua história!!!!!!

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto que ilustra esta crônica é de Renata Medina, da Assessoria de Imprensa do Inter-SM

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