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O relho – por Orlando Fonseca

A imagem de um gaúcho – por estar devidamente pilchado – dando de relho em um militante, por discordar de sua manifestação, por lhe ser contrário em pensamento e opções políticas, circulou o mundo, na imprensa e nas redes sociais. Em um Estado, o Rio Grande do Sul, acostumado a conflagrações, desde os embates heroicos entre farroupilhas e imperiais, chimangos e maragatos, republicanos e federalistas, gremistas e colorados, isso até poderia passar batido – sem trocadilho. Acontece que o fato se deu no campus de uma universidade federal, espaço acadêmico privilegiado para o debate de ideias, obviamente, com argumentos e não com pedras ou rebenques.

A instituição universidade surgiu, nos tempos modernos, como o devido lugar onde a humanidade se encontra – ou deveria se encontrar – com o melhor que a civilização nos concedeu como aprimoramento humano, através do conhecimento, da ética e do diálogo. Em tudo diverso da barbárie, tanto a praticada pelos primeiros humanos discutindo sobre quem deveria ficar com a caça, na base do porrete, quanto pelos guerreiros feudais e suas lanças e máquinas de guerra.  Instituições de ensino superior, na Europa, contam mais de mil anos e a grande maioria vem desde o século XVIII, impulsionada pelo Iluminismo.

No Brasil, a primeira universidade é do início do século passado, ou seja, nem chagamos a cem anos desse tipo de ambiente científico e humanista. Por isso, causa arrepio em quem vê uma foto como a que é identificada pela mídia, na qual um relho é usado para acalorar o debate dentro da UFSM, entre gaúchos, de bombachas ou não.

Sem mesmo invocar os direitos humanos e a Constituição Federal, apelidada (apenas apelidada) de cidadã, a qualquer observador dos acontecimentos nos últimos dias no Estado, e que a foto do relho é emblemática, não escapa que o tensionamento político beira a barbárie. Em um ambiente no qual deveria transitar livremente o debate político, a interdição se dá pela ignorância, pela falta de inteligência de parte a parte. O ódio de classe, as agressões – de qualquer lado ideológico -, as imprecações com palavras de ordem e não com ideias, a falta de argumentos fundamentados têm feito muito mal para a democracia.

Certamente não podemos pretender que embates sobre que país queremos sejam resolvidos, como o faziam nossos ancestrais, em campos de batalha, com lanças, adagas e bombas. Quando se calava o adversário fazendo-lhe um corte na garganta. Não posso admitir, sem consideração sensata, que alguém entre no campus de uma universidade, onde se encontram simpatizantes de um determinado político, com a deliberada intenção de atacá-los com um relho.

Os que foram encontrar o seu pré-candidato tinham direito de estar onde estavam. Qual o direito dos que foram lá tentar obstaculizar o trânsito destes? Um professor foi ferido por uma pedra, segundo ele, vinda dos adversários. Estes dizem que ele os estava ofendendo com palavras. É obvio que, em um bate-boca de rua, tudo se admite, porque é possível que ninguém tenha razão absoluta. Mas tudo se deu dentro de um campus universitário, que deveria nos orgulhar aos olhos do mundo. O que vejo, no entanto, nas redes sociais, é gente comemorando o relhaço, como um símbolo de gaucheza. Valha-nos a Santa Escolástica.

No momento em que se comemora a elevação de status da UFN – Universidade Franciscana, mais uma instituição de ensino superior que chega a essa condição, dentre as fundadas na cidade -, é lamentável que se tenha de tratar com a imagem do retrocesso, ao menos no significado humano que a academia enseja para uma comunidade. O antídoto de tudo o que se considera de antiético na condução do país é justamente a educação. Não adianta nada falar mal dos políticos, quando a população que o elege prefere a barbárie ao convívio republicano. Para os animais, o relho; para os políticos, a urna. É assim que se corrigem os rumos em uma democracia.

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