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Tric-tric Rolimã – por Pylla Kroth

Conheci seu Armindo quando eu ainda era um menino levado, sapeca e arteiro. Aliás, “era o terror das cercanias onde morava”, vivia arrancando uma tampa do dedão do pé, pois não podia ver algum objeto no chão que chutava longe por diversão. Várias vezes caí de arvores onde até casinha fiz, e fiquei dependurado pela perna, de cabeça pra baixo, no arame farpado de uma cerca certa vez ao fazer mais uma de minhas peraltices. Cortes na cabeça de pedradas e tombos dos quais até hoje tenho cicatrizes que ao olhar me trazem boas lembranças.  Sempre sem camisa e pés descalços, certa vez para não molhar os calções tomei um banho peladão na piscina do Seu Armindo, que por sorte tinha ido a uma festa divina da paróquia.

Minha mãe teve sérios trabalhos na minha criação, nunca me deu uma varada, mas as vezes as minhas orelhas ficavam vermelhas de tantas puxadas da Dona Dalva. Nunca gostei da palavra “Proibido” e até hoje não gosto. Mas ao menos não contrario esta palavra agora adulto, quando leio em alguma placa de advertência, principalmente quando se trata de regras de trânsito. Atribuo isto a minha ética pessoal e social que, ainda bem, evoluíram.

Mas o seu Armindo era fã destas placas de “proibido”. Na casa dele havia várias, por exemplo: “É proibido colher os frutos”, junto às árvores do pátio, “É proibido pisar na grama” no jardim. Era tanto “é proibido” isso e aquilo e aquele outro que nem lembro tudo o que era proibido pelo Seu Armindo!

Era ele um gringo grandalhão de botar medo, sempre aos gritos com toda meninada que se aproximasse de sua propriedade. Sua figura me lembra até um personagem do filme de animação “A Casa Monstro” (risos). Sua casa, aliás era em uma ladeira de boa inclinação e ali eu passava diariamente e sempre correndo, hora de bicicleta, hora a pé, e sempre de olho no velho.

Certa vez, Seu Armindo resolveu calçar a frente de sua propriedade com lajotas de pedra-ferro lisinhas, em toda  extensão do passeio do enorme terreno, aproximadamente uns 100 metros. Foi daí que a turminha se reuniu e adorou a ideia: seu Armindo sem saber estava fazendo nossa pista de corrida para os carrinhos de “rolimã”, ou como chamávamos, de rolamentos. Toda patota reuniu-se para confecção dos seus carrinhos voadores, aquilo teria agora dupla emoção, velocidade e terreno perfeito, por certo seu Armindo não iria nos alcançar depois de uma largada. Estava marcado o Grand Prix! Enquanto fazíamos os carrinhos, os pedreiros intensificavam a obra.

Dez dias e aquela pista, ou melhor dizendo, a calçada, estava prontinha e nivelada, dava gosto de ver! Era um sábado a tarde e nós éramos em quatro na pista. Chegou o momento da largada, até numero tinha nas máquinas voadoras, lembro que a minha era com o numero três (3), caprichosamente desenhado pelo saudoso amigo Júlio. Todos a postos. O amigo Alemão Ivy deu a bandeirada. E confesso que quem teve essa oportunidade, como eu, de andar nesses  carrinhos sabem bem a sensação maravilhosa e infantil que sentimos ao descer ladeira abaixo com uma nave dessas.

O que nós não esperávamos mesmo era o numero de pessoas que ali se reuniu para o grande dia. Foi dada a largada. Os amigos poderiam dar uma empurrada pra pegar impulso apenas dois metros, e pra isso marcamos com um giz o limite permitido. “Taca lhe pau nesse carinho!” como disse o amigo do Marco Véio.

A primeira bateria foi espetacular, a segunda melhor, pois agora os rolamentos já estavam tinindo e com a ajuda de uma graxa, ficou um tiro. Na terceira largada, os carrinhos já em alta velocidade ladeira abaixo e a dois terços do traçado saltou o seu Armindo, e desta fez com a espingarda na mão.

Cruzes, que terror! E agora, como parar? Dois amigos desviaram em direção ao calçamento da rua de paralelepípedos, o que lhes causou sérias quebraduras, mas eu e meu amigo Júlio, mesmo vendo o velho no meio da calçada com a espingarda resolvemos completar o percurso em direção a final, acreditando que ele não iria ser louco de mandar chumbo. Que chumbo, que nada, ficou apenas gritando e ameaçando! Faltando alguns metros da aproximação, rolamos dos carrinhos na pista e, mesmo esfolados, saímos correndo ladeira acima fugindo do velho que por sorte não puxou o gatilho! Mas nossos carrinhos tiveram um triste fim e tivemos que assistir de longe seu Armindo e seu machado destruindo nossas baratinhas voadoras!

O tempo passou, todos crescemos e cada um tomou seu rumo. O amigo Júlio formou-se em Agronomia e eu caí na estrada do Rock, o outro comprou um Trailer e resolveu aventurar se por ai, e outro, infelizmente, faleceu em um acidente automobilístico.

Tempos depois, já formado, o Júlio, agora agrônomo, voltou pra nossa pacata cidade e por lá passou a atuar na Emater. Certo dia, ele recebeu uma denúncia de que seu Armindo, agora bem mais velho, tendo se tornado fabricante de pipas para armazenamento de cachaça, de madeira, andava derrubando árvores de sua propriedade que continha espécimes nativos, o que configura crime ambiental.

Foi quando ele lembrou de todos seu amigos de infância nas mãos do Seu Armindo naqueles tempos de outrora. “Ah, mas agora eu vou me cobrar! E coberto de razão, na forma da lei!” Porém, sabendo que seu Armindo era esperto, pensou: “como vou fazer para pegá-lo em flagrante cortando mata proibida?” Dentro de sua propriedade ele era General e perigava mesmo o velho “mandar bala” nele.

Fez uma investigação in locus e constatou a veracidade: seu Armindo agora estava por um triz, e além disso, já era hora de vingar seus amigos.  Gastou dias observando os movimentos do velho e nada de pegar o dito em flagrante. A cada espiada na mata, mais arvores derrubadas. Foi então que um vizinho “deu o serviço”. Seu Armindo tirava a madeira da mata em finais de semana, aos domingos, lá pela meia tarde para diante. Feito, agora era só armar a emboscada para lograr êxito!

Era então uma linda tarde de domingo e meu amigo na tocaia. Seu Armindo chegou com seu trator, mais um reboque e dois peões com a motosserra e machados. Júlio saiu da mata e se aproximou dos feitores, cumprimentando-o educadamente. Prontamente o seu Armindo lhe apertou a mão e logo foi perguntando sua origem.

“Ora, Seu Armindo, mas não lembras de mim?” Ao que o velho respondeu negativamente. Ele então se apresentou daquele jeito do interior “sou fulano de tal, filho do fulano e da fulana” e logo tratou de fazer um perguntinha como quem não quer nada: “Mas e o senhor? Trabalhando  no dia santo, seu Armindo?” E este, confiante que falava com gente amiga, prontamente  lhe respondeu: “Pois é, rapaz! Veja bem como são as coisas! Sou dono disso tudo e tenho que fazer este serviço fora de hora, porque se eu fizer durante a semana, estou correndo o risco de ser preso, pois agora tem lei e por certo aparecerá um filho de uma p#&@ de um fiscal da Emater aqui, ainda trazendo na cola alguém do Ibama, e aí estou ferrado!!!” E o restante desta história não preciso nem contar, não é?

Como já diz a sabedoria popular, aquele que cospe para o alto, lhe cai o cuspe de volta na cara! Seu Armindo “Gente do Bem”! Como dizem os fascistas.

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