ESPAÇO ALVIRRUBRO. Leonardo da Rocha Botega e o que foi o mais importante em Santa Cruz x Inter-SM
Quando Alvirrubro e Alvinegro se tornam uma só cor
Em tempos onde tudo que é humano parece supérfluo. Onde as tecnologias que servem para aproximar, cada vez mais nos distanciam. Onde para muitos, o outro é visto não como um diferente-igual a nós, mas como um estranho que por medo deve ser classificado como perigoso (ou até mesmo exterminado). Nesses tempos sombrios e confusos, alguns atos ainda parecem nos dizer: “Ei! Somos humanos, podemos conviver juntos! É possível um mundo onde caibam vários mundos!”.
Vinicius de Moraes descreve o amigo como aquele que faz o espelho da alma multiplicar. Como diplomata que foi, o Poetinha aprendeu que a amizade entre os povos, entre os diferentes, constrói a humanidade. Nessa semana os líderes das duas Coreias, como duas crianças, atravessaram de mãos dadas a fronteira que separa um único povo, demonstrando que a diplomacia deveria ser sempre um caminho para a paz e a amizade. Da mesma forma, no mundo do futebol, o jogo entre Santa Cruz e Inter-SM nos chamou atenção para a amizade entre os diferentes, entre aqueles que vestem camisas opostas.
Parecia que os tempos sombrios haviam se rompido e os abraços se tornado lei, quando a Fanáticos da Baixada e a Barra do Galo se encontraram antes do jogo. Ao invés de insultos, sorrisos! Ao invés da barbárie, apertos de mãos e copos de cerveja sendo divididos! Na terra da Oktoberfest, velhos e novos amigos se encontraram em um momento onde nem mesmo as tensões das necessidades do jogo eram capazes de romper o que deveria ser a rotina de todos os jogos. O Alvirrubro e o Alvinegro se tornaram uma só cor: a cor da humanidade. Naquele momento senti que, independente do resultado, ali todos iríamos ganhar!
Infelizmente em campo não há como dois times vencerem e os dois times queriam vencer. Uma vitória praticamente classificaria o Inter-SM para as quartas de finais. Uma vitória daria um alento ao Santa Cruz em sua difícil luta contra o rebaixamento. Isso fez com que tivéssemos um bom jogo, porém, com poucas chances de gol. Os torcedores alvirrubros que para lá foram em dois ônibus e alguns carros empurravam o alvirrubro aos gritos de “Vamos Subir Inter”. Mais uma vez nosso torcedor deu espetáculo fora de casa. Uma pena que, no meu singelo entendimento, a arbitragem “forçou a amizade” com dois erros que poderiam ter mudado o resultado final.
O primeiro erro, logo no início do jogo, ocorreu em um pênalti não marcado sofrido pelo Jackson. No intervalo entre os dois erros, que muitas vezes não ocorrem por má-fé da equipe de arbitragem (infelizmente os árbitros brasileiros não são profissionalizados e não podem se preparar exclusivamente para exercer essa função), uma mágica aconteceu. Aos 36 minutos, em uma falta próxima da área defendida pelo goleiro alvinegro Jonathan, Chiquinho magistralmente fez a bola passar por cima do penúltimo homem da barreira, fazer uma curva (semelhante aquelas que embelezam os morros de Santa Maria) e parar no fundo do gol. Golaço! Chiquinho é que nem vinho, quanto mais anos ganha, melhor fica! É literalmente “o amigo da bola” como dizem os locutores santamarienses. Minutos antes, Jackson havia perdido a chance de abrir o placar, mas desperdiçou frente a frente com o goleiro.
Veio o segundo tempo e um Santa Cruz, sem muita qualidade, se jogava desesperado atrás do empate. O alvinegro, treinado pelo ex-jogador Mabília, e que perdeu apenas um jogo em casa (2X1 para o Lajeadense na quarta rodada), via o tempo passar e um Inter-SM que tinha o jogo sob controle. Quando ocorreu o segundo erro da arbitragem. Após um lançamento, o jogador do Santa Cruz, em posição irregular, recebeu e cruzou da direita, o goleiro João Paulo cortou parcialmente, mas Paulo Roberto aproveitou o rebote e empatou: 1×1. Eram 26 minutos do segundo tempo e depois desse gol, houve apenas um outro lance significativo. Uma bola chutada no travessão pelo ataque alvinegro quase fez o alvirrubro voltar para casa sem nenhum ponto em um jogo que esteve a maior parte do tempo dominado.
Ao final o empate não foi um mau resultado para o Inter-SM que poderá encaminhar a classificação na próxima rodada, diante de seu torcedor contra o surpreendente Bagé. Um jogo que promete ser bastante difícil. Por isso, mais do que nunca é importante que o torcedor alvirrubro compareça! Óbvio que foi um empate que, pelas circunstâncias do jogo, poderia ter sido uma vitória. Mas foi um empate justo, dentro e fora de campo! Afinal, nunca o canto dos amigos voltando de uma pelada de rua, descrito por Eduardo Galeano, fez tanto sentido. Em Santa Cruz, após o jogo, Fanáticos da Baixada e Barra do Galo pareciam aqueles meninos alegres cantando “Ganhamos, perdemos, igual nos divertimos!”. O futebol e a vida deveriam ser sempre assim, uma celebração da amizade entre diferentes!
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto de “todos juntos e misturados”, torcedores das duas equipes, inclusive o cronista, é de Andrey Sigaran.
Está mais do que na hora de reaprendermos a cantar a canção de irmãos; voltarmos ao tempo em que a disputa futebolística encerrava-se no campo; em que assistir uma partida valia como arte, como terapia. Pelo visto, hoje foi assim. Parabéns pela escrita, Leonardo Botega!