Escreveu não leu… – por Orlando Fonseca
Sócrates, o filósofo grego – o primeiro e maior – é figura proeminente dentre os grandes mestres da humanidade, pelo legado de ensinamentos válidos até os dias de hoje. Não deixou nada escrito. Para ele, a palavra falada estava investida de um valor insubstituível por um signo gráfico. A escrita, como ferramenta cultural, era ainda incipiente no mundo grego, àquela altura, século IV a.C., e o filósofo entendia que confiar no registro escrito era menosprezar a memória e o raciocínio.
Graças aos seus discípulos, principalmente Platão, que atento às lições do professor, anotava tudo nas aulas, temos acesso aos princípios filosóficos e aos métodos socráticos, os quais sustentaram séculos de amadurecimento da humanidade.
Sócrates acreditava no diálogo, por isso considerava a leitura de textos escritos um vício para a memorização, o que levaria à formação de falsos sábios. Platão e Aristóteles, já familiarizados com a escrita e com a leitura, deram à academia, ou seja, ao ensino formal, um crédito que impulsionou a perspectiva de uma cultura letrada. Naquele tempo ainda para poucos. Massivamente, a leitura só se tornaria um bem universal com a revolução promovida com a invenção da imprensa, por Gutemberg, em meados do século XV. A superação da crença no misticismo, o progresso no uso da razão como método científico, a compreensão do sujeito, o desenvolvimento da literatura tal como a conhecemos, o Iluminismo, o liberalismo, tudo isso deve muito à página impressa.
Nos dias atuais, a humanidade vive uma encruzilhada em que se verifica um dilema similar ao socrático: confiar ou não confiar na inteligência artificial. Entre jovens e adultos, no Brasil, os índices de leitura são ínfimos. O que ainda nos mantém no (a rigor, ridículo) patamar de 2 livros por ano é a leitura de crianças e pré-adolescentes na Escola. Quando se dedica ao preparo para o Enem e vestibulares, o adolescente começa a abandonar as obras de literatura, os jornais e revistas e com isso lê apenas apostilas, dicas para as provas, resumos e depois quase nada. E o livro é deixado de lado. Acrescente-se a isso o fato de que o apelo das tecnologias dos smartphones e computadores pessoais é avassalador. Quase ninguém mais vai até uma biblioteca, ou à prateleira onde guarda livros – se é que tem – para saber o nome de um cientista, de um fato histórico. Tudo está à mão, nos mecanismos de busca como o Google. Se quer saber como se monta um equipamento, ou como se prepara um drinque, basta olhar no YouTube, onde abundam os tutoriais.
A leitura extensiva é aquela capaz de reter na memória informações que, associadas, podem levar a pensamentos novos, reflexões acima do senso-comum e textos inventivos. A leitura e a escrita feitas de notas curtas não têm o poder de ajudar um redator a estruturar um parágrafo bem argumentado. Quem já se acostumou com a leitura em plataformas digitais, e consegue ler um artigo inteiro ou um livro, tudo bem – mas ainda é minoria. Caso contrário, se não criar familiaridade com a manipulação de um livro, abrindo-o na primeira página e prosseguindo, passo a passo até à ultima, terá dificuldade em embasar o que pensa, fundamentar o que diz, e vai ser mais um espalhador de fake news da rede.
Como diziam os antigos, escreveu não leu, pau comeu – e assim é que o ódio e a ignorância têm proliferado nas redes sociais. Ainda dá tempo: a Feira do Livro está na Praça para ajudar a fazer de Santa Maria a Cidade Cultura que desejamos.
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