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CIDADANIA. Falta de respeito e ameaça à saúde. O quê: o verdadeiro bombardeiro dos barulhos urbanos

Por RICARDO WESTIN, da Agência Senado, com foto de M. Dutra/Blogmanueldutra)

O motoqueiro extirpa o silenciador que vem de fábrica e sai espalhando susto com o escapamento da moto. No ônibus, ninguém consegue tirar um cochilo após o expediente porque algum passageiro decidiu assistir, sem fone de ouvido, ao vídeo que recebeu pelo telefone.

O colega de trabalho dá uma saída e não leva o celular, que começa a tocar incessantemente, constrangendo o escritório. O vizinho de porta aprende a tocar guitarra e, para ouvir melhor os acordes, capricha no amplificador.

Parece que viver em sociedade no século 21 é o mesmo que ser constantemente bombardeado pelo barulho. Como se não bastasse ser a cidade ruidosa por si só, em razão da aglomeração de pessoas e do trânsito crescente, a poluição sonora acaba sendo potencializada por comportamentos inapropriados que as pessoas adotam no dia a dia.

Segundo a fonoaudióloga Keila Knobel, o que falta a essas pessoas são “educação, respeito, cidadania, empatia”:

– Como o som não respeita muro nem parede, nós invadimos o espaço alheio com muita facilidade. A invasão é frequente porque muita gente não se coloca no lugar do outro. Quando ouço o meu cantor favorito, digo que é “música”. Se o vizinho ouve a mesma música e no mesmo volume, fico indignado e chamo de “barulho”

Keila é autora de um estudo que comprova essa avaliação. Como pós-doutoranda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela entrevistou 670 alunos de colégios de Campinas (SP). A maioria se disse incomodada com o nível de ruído na sala de aula, mas quase ninguém se reconheceu como fonte do barulho.

– Numa turma de 40 crianças, ouvi de 39 que a sala de aula era barulhenta por causa dos “outros”. A conta não fecha.

Brigar por um ambiente minimamente silencioso não é capricho. É questão de saúde. De acordo com a medicina, as pessoas começam a perder a audição quando são expostas por períodos prolongados e repetidos a sons a partir de 85 decibéis (o equivalente ao ruído do liquidificador). Imperceptível nos estágios iniciais, a morte das células auditivas é gradual, lenta e irreversível.

A partir dos 60 decibéis (o mesmo que uma conversa normal), embora não consiga ferir o ouvido, o som já é suficiente para agredir o restante do organismo e também prejudicar o equilíbrio emocional. Não à toa, a regra de ouro de qualquer hospital é “silêncio”.

FEscapamentos de motocicletas e sons automotivos estão entre as principais fontes de poluição sonora nas ruas das cidades brasileiras

O pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Armando Maroja, especializado em acústica ambiental, afirma que a poluição sonora é um “mal invisível”:

– Diante da água poluída, você vê a cor e se recusa a beber. Diante do ar contaminado, você prende a respiração ou se afasta. Com o barulho, é diferente. Embora perigoso, ainda não é encarado como tal. Um lugar barulhento dificilmente espanta alguém.

O barulho, mesmo que não seja escandaloso, é interpretado pelo organismo como prenúncio de perigo. O estado de alerta faz o coração acelerar, a pressão sanguínea subir, a respiração ficar mais forte e a digestão desacelerar. Para que a pessoa tenha energia para se defender, suas reservas de açúcar e gordura são liberadas. Esgotado o estoque de energia, surgem cansaço, irritabilidade, estresse, ansiedade, insônia, falha de memória, falta de concentração, gripe e, em casos mais graves, doenças cardíacas, respiratórias, digestivas e mentais.

A falta de concentração pode levar a acidentes no trânsito. A irritabilidade pode desencadear desentendimentos e episódios de violência. O barulho, em suma, tem o poder de reduzir a expectativa de vida das pessoas.

O advogado Michel Rosenthal Wagner, mediador de conflitos urbanos, afirma que não são raras as ações judiciais envolvendo vizinhos que se estapearam por causa de barulho.

– Ouço que até as 22h o barulho está liberado e que só é preciso fazer silêncio depois disso. É mito. Existem normas que especificam o ruído máximo tolerável, que varia conforme o bairro e a hora do dia – ele esclarece. – Também ouço que o Brasil é barulhento porque somos um povo feliz. Outro mito. Felicidade não é sinônimo de barulho. Segundo a ONU, os países mais felizes do mundo são os da Escandinávia, nos quais o silêncio é imensamente valorizado…”

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