Artigos

Lenda urbana – por Orlando Fonseca

Em uma pequena cidade, em um país muito, muito distante, o casal dono de uma taberna famosa daquele lugar resolveu se separar. O simples anúncio pôs a população de frequentadores em estado de alerta, pois todos queriam bem os dois juntos, melhor ainda atendendo aquele pedaço do paraíso.

Se uma força maior os expulsasse dali, até compreenderiam como caprichos do destino. Mas assim, por decisão deles, simples mortais? Não era aceitável, pois se prenunciavam catástrofes tremendas a cair sobre o lugarejo. O tempo foi passando, e, sem que houvesse uma solução, pois os dois se mantinham irredutíveis em suas razões para a separação, não tiveram outra coisa a fazer a não ser fechar a taberna, e cada um retirar-se para o seu canto.

A população, primeiro, ficou perplexa, pois o casal era um exemplo de união. Não tanto por se darem como um casal, mas por comandarem em comunhão a porção paradisíaca daquele território mítico, entre o Tigre e Eufrates. Em comitiva, foram pedir lamentosos a reconciliação dos dois. Erguiam as mãos em clamorosos apelos, ajoelhavam-se aos pés dos cabeçudos, suas súplicas eram levadas pelo vento em direção ao deserto.

Tudo em vão, eles estavam decididos. Depois aquela gente sofrida, temendo pelas desgraças chegantes, começaram a se inquietar, vendo que as impossibilidades de conciliação e a reabertura do Éden não seria coisa fácil. E então veio a revolta.

A população – ao menos aquela parte de aficionados habituées – começou um grande movimento na cidade. E as frases de protesto se elevavam:

– Como vocês nos fazem uma coisa dessas?

– Nos deixar assim, justo agora, quando mais precisamos de vocês!

– Vocês nos ensinaram a amar este lugar.

– Não nos ensinaram a desaprender. O que vamos fazer de nossas vidas?

– Estamos tão acostumados a esta taberna que não conseguimos pensar em outra.

Importa esclarecer que não passava pela cabeça de ninguém ser o caso de se encontrar um comprador e o empreendimento ter um novo gerente, um novo dono do lugar. Todos queriam de volta a sua taberna com o trato dado a eles pelos dois. E vociferavam:

– Tratem de fazer as pazes!

– Quem vocês pensam que são? Esse lugar não é mais só de vocês, este lugar é simbólico, pertence a todos nós.

E tanto fizeram que os dois se acertaram e reabriram a taberna, para alegria e felicidade geral. Quanto à intimidade do casal, a população, pacificada e satisfeita, se recolheu, pois afinal de contas, não se deve meter na vida dos outros.

Lembrei desta lenda urbana – que criei agora – para falar sobre o assunto do momento em Santa Maria: a quem pertence a cidade? Quem pode tomar decisões a respeito dos destinos dela? Seriam os que têm mais dinheiro? Quem exerce maior pressão econômica ou política? Ou seriam os que têm mais afeto, mais dedicação a ela? Os poderes constituídos devem dar voz para quais demandas: as que pretendem tirar lucro da proteção jurídica, ou os que simplesmente desejam que se proteja a identidade dela, mantendo a sua memória?

A cidade é nossa na medida em que nos deixamos pertencer a ela. A cidade é de quem se pertence a ela, que fala por ela com sua vida diária, com seus projetos; que a ama porque ela tem um passado, que trabalha pelo seu presente. Para ser de todos, de modo permanente e duradouro, a cidade deve ser de quem, em seus projetos, tem projetos para o futuro da cidade. Não é apagando a sua história, que vamos construir a história da cidade daqui para frente.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet e cuja autoria não foi identificada. Se isso acontecer, o site registra, com certeza.

 

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo