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Sobre jornais, canções e amizades – por Pylla Kroth

O guri começou a trabalhar cedo, nem sabe precisar que idade tinha, mas parece que desde que começou a raciocinar. Quando tinha seus 10 anos de idade já tinha passado por diversos ofícios, pois veio de uma família em que todos tinham que colaborar na execução das tarefas de casa.

Em seguida, de entregador de fonogramas, foi convidado a ser o entregador oficial do jornal Correio do Povo, pois o “neguinho” que vinha realizando essa tarefa não estava a contento do seu patrão, alguns dias comparecia para realizar as entregas, noutros dias não. O patrão resolvera, portanto, dar um basta na situação que se agravara devido às reclamações dos assinantes que obviamente desejavam receber o jornal todos os dias. Estrategicamente chamou o guri e, sem comunicar o “neguinho”, pediu que este lhe acompanhasse na entrega.

E assim foi: sem saber que estava ensinando seu substituto lhe ensinou como fazer, e já na primeira relação de trabalho a primeira coisa que passou para o guri novato era que o bom era trabalhar cantando, já que ser apenas cantor naqueles tempos não dava dinheiro, o jeito era trabalhar cantando e decorando as letras de músicas que ouviam no rádio. Mas trabalharam juntos apenas uma semana, o patrão em seguida tomou a decisão e despediu o antigo entregador. Naquele dia, ao invés de ficar triste, ele pegou seu dinheiro da demissão e saiu cantarolando.

Depois disso o “neguinho” ainda trabalhou em uma ou duas profissões, mas se firmou mesmo quando  desenvolveu seu talento de cantor aprendendo a bater nas cordas de uma viola. E isso sim deu certo. A rapaziada da cidade seguidamente o convidava para infindáveis noites de boemias e serenatas. Logo apareceu uma chance para o “neguinho” – deixo claro que ele gostava de ser chamado, tinha orgulho da cor  e de se assumir como negro mesmo que sua cor da pele efetivamente tendesse para um moreno claro, e ali na sua cidade era conhecido com “Nego Branco”.

Assim, Nego Branco saiu do interior e foi morar na capital, em uma república de estudantes conterrâneos. Este lugar se tornou lendário, pois era no coração do Bairro Bom Fim, reduto da juventude porto-alegrense dos anos 70, 80 e 90, mais precisamente na Rua Santo Antônio. Lá ele ganhava a vida cantando e tocando. E nas relações do músico com amigos e conhecidos foi convidado pra ir morar na Bahia.

Anos depois aterrissou novamente na cidade de Tapera, donde saíra. Foi aquele alvoroço do povo local, pois agora veio com trançinha e contas de Bob Marley e toda filosofia que dispensa comentários, em miúdos era a personificação de Gilberto Gil. Nas rodas de viola formadas por ele, o seu amigo antigo, entregador de jornal, ouviu a obra de Chico,Caetano, Gil, Gal, Betânia e outros tantos, essências da MPB. Aí começou novamente uma relação do guri com o Nego Branco, pois além de compartilhar várias idéias revolucionárias políticas sociais, os dois faziam uma bela parceria na música. O Guri cantava e o Nego Branco aprovava. A cidade ficou pequena, até hoje não sei como não foram presos por perturbação do sossego público e outras.

Logo o cara ainda inventa de começar namorar uma branca de família tradicional do lugarejo. Na verdade até hoje tenho a certeza que não foi pela cor, mas pela maneira que levava a vida, que não obtiveram aprovação da família da moça. E ai de quem resolvesse opinar sobre seu amor com a “branquela”.

A menina fez vestibular e veio cursar em Santa Maria, na bagagem trouxe o Nego Branco junto. Quem freqüentou seu reduto cultural na Galeria do Comércio inicio dos 80 sabe o que estou falando: um apartamento que às vezes ficava pequeno, tamanho o numero de aficionados em música, política e cultura que ali faziam suas manifestações até o clarear do dia.

Logo o destino fez com que os velhos amigos se encontrassem novamente. O guri veio morar em Santa Maria e nos primeiros dias, sem ter onde morar, foi ali naquele apartamento que lhe deram guarida por algum tempo, e foi como o encontro do fogo e a  estopa . Nem vou começar escrever aqui todas suas façanhas em tempos de ditadura aqui na Aldeia, pois daria um livro. Ás vezes suas ânsias eram tamanhas que acabavam brigando, ficando dias sem se falar. Mas não tinha jeito mesmo, era uma amizade sincera, como essas de irmãos mesmo.

A menina Branca se formou e se foi embora pra capital. Quem ela levou novamente junto? Sim, ele mesmo. O Nego branco. Inúmeras foram as vezes que o guri, ex-jornaleiro aprendiz, agora cantor, foi lhe visitar. Lá estava o Nego Branco novamente na capital, e agora pra escancarar sua arte. Tocava em bares e no litoral, uma figura ímpar. Na metade dos anos 90 compôs sua obra prima, executada em todas rádios do estado, “Reggae do Bonfa”. Suas bandeiras eram sempre de Paz, o Verde, Amor e Música. Um revolucionário social. “ Abaixo a burguesia, fora fascistas, caretas, racistas,reacionários”  e toda uma longa lista eram suas bandeiras. Seu nome de batismo, Alvino Antunes de Oliveira Filho.

Não há muito tempo, não sei precisar, sua “branquela”, com quem teve uma linda filha, teve complicações de saúde e veio a falecer. Anos haviam se passado e muitas histórias, atualmente já estavam separados, mas ele nunca conseguira esquecer seu grande amor.

Ele voltara para Tapera há algum tempo, e agora se encontrava também debilitado e com complicações de saúde. Seu amigo foi lhe visitar dois meses atrás, no mesmo lugar onde o tinha ido acordar várias vezes, quando estava atrasado para a entrega do jornal naquela época já distante no tempo. Ofereceu-lhe ajuda com médicos, etc, mas ele confidenciou-lhe que estava aguardando o momento de sua partida para novamente reencontrar seu grande amor. Choraram juntos cantando algumas canções que marcaram suas vidas e se despediram temporariamente, sem saber que este seria o último encontro em vida.

Nesta semana seu agora velho amigo Guri estava que parecia ter saído da caverna de Trofônio, num desalento e consternação sem fim, pois recebera a notícia de sua morte. E pra conseguir sair da tristeza foi até o Parque Itambé olhou para o céu e chorando cantou bem alto aquilo que aprendera com o Nego Branco. Cantar sempre, independente da situação: “La la ei io eio eio loio loioioio!”

Neste momento palavras perdem o sentido diante das lágrimas. Se houvesse uma despedida final entre os dois eternos jornaleiros  seria mais triste. Talvez tenha sido melhor assim, como às vezes acontece ao final de um show qualquer de suas trajetórias artísticas. Ao voltar do parque, aliviado, o guri ligou pra alguns amigos que lhe disseram que o irmão de seu amigo estava ao seu lado no momento de sua partida, mas ele de olhos esbugalhados não se entregava como se recusasse a partir, e o irmão resolveu então cantar uma canção no quarto do hospital. Nego Branco começou cantar junto e assim deu sua última respirada. Fazendo-se valer da poesia do amigo que compartilhou várias noitadas junto com ele na Galeria do Comércio, Noel Guarany : “Se eu nasci pra cantor, hei de morrer cantando!”, o que bem poderia ter sido seu epitáfio. E assim cumpriu seu ofício terreno.

Adeus amigo Nego Branco! Ou Branco Oliveira. Fica aqui a singela homenagem deste ex-jornaleiro e hoje cantor que teve sua amizade e seu apreço na caminhada artística. Descanse em Paz. Haveremos de nos encontrar , sei que não vou ficar pra semente, embora goste de andar no mundo. A gente se pecha. Como tu mesmo dizias: “Pode acreditar, mano”.

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