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Tóxico – por Orlando Fonseca

Já há algum tempo, acostumamo-nos com a divulgação da “palavra do ano”, uma pesquisa realizada pela organização inglesa do Dicionário Oxford. Já tivemos a revelação do “selfie”, o espanto com a “pós-verdade” e até mesmo um emoji – aquelas carinhas que se usa pra mandar mensagens-síntese no Whatsapp – foi parar na escolha dos especialistas.

Compreensível, porque, afinal de contas, os linguistas examinam milhões de palavras que circulam em 10 mil sites. Agora nos chega a notícia de que em 2018, o termo que dá título a esta crônica é a palavra eleita. Mais uma vez a expressão da cultura humana refere-se ao contexto, ao invés da individualidade, como os inocentes autorretratos ou ícones com as novas tecnologias trazidas com os smartphones.

E não é para nos orgulharmos: a civilização parece que anda em círculos, e aos poucos, em pleno século XXI, se encontra – portando toda a parafernália construídas por sua inventividade – com a barbárie pré-histórica.

No popular, entre nós, a palavra “tóxico” circula nos meios policiais, pois sintetiza – sem trocadilhos – uma gama de entorpecentes que coloca em confronto traficantes e policiais. Também aparece em matérias jornalísticas sobre uso de defensivos agrícolas, tanto em termos de resíduos nos alimentos, quanto em problemas ambientais.

Ou seja, está mais implicada com questões ambientais e com a saúde pelo grau elevado de seus efeitos nocivos. Daí saltou, na forma de metáfora, para o ambiente cultural. Por demais tóxico, com as polarizações que se agudizaram nos últimos anos entre conservadores e liberais contra progressistas e militantes da ecologia.

Foi palavra de ordem na campanha mundial que ganhou força, este ano, pela redução do uso de canudos plásticos, por exemplo. De política tóxica, a palavra adquiriu potencial figurativo para descrever ambiente cultural, locais de trabalho, escolas e relacionamentos. E dentre essas expressões mais procuradas na internet estava “masculinidade tóxica”, motivada pelo aumento de casos de abuso, feminicídio e misoginia em geral.

Esta semana decidi colocar no Facebook uma postagem sobre as notícias que estão rolando sobre a família e membros do governo federal que assume em janeiro. Fazia muito tempo que desistira de fazer tal coisa, cansado da toxidade (pode ser toxicidade também) em que virou a troca de desaforos – não da minha parte – nas redes sociais.

Apenas postei a notícia que saiu no Estadão, depois replicada nos jornais pelo mundo, a começar pelo espanhol El País. Foi no portal deste que li, e então soube que um único jornal brasileiro, naquele momento, havia noticiado. Seguiu-se então uma enxurrada de comentários sem fundamento que concluí: 2019, no Brasil, talvez seja mais tóxico ainda.

Jesus Cristo estaria condenado à cruz no ambiente tóxico que virou o varejo da vida política brasileira: circulava pela Galileia com a classe trabalhadora, escolheu para seus assessores os pescadores e um funcionário público; talvez fosse nordestino, pois fez sua entrada triunfal em Jerusalém montado em um jegue; fazia e acontecia em festas, transformando água em vinho; era defensor dos direitos humanos – na cruz, perdoou um ladrão; dizia que as prostitutas entrariam primeiro em seu reino; que era mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico entrar no céu, e ainda anunciou um programa de reforma agrária do seu reino, sobre quem herdaria a terra.

A organização Pantone decide todo o ano qual será a cor do próximo, numa espécie de esperança cultural: dirigir o nosso olhar para o lado estético do ano que vai nascer. Já o Dicionário Oxford faz um diagnóstico do que foi no ano que acaba, e a respeito deste 2018, deixou bem claro que estamos retrocedendo. Não sei se as vibrações positivas (segundo o Pantone Color Institute) da cor “Living Coral” vai nos salvar do ambiente tóxico em que nos metemos.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução de internet.

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