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O quilo – por Orlando Fonseca

Em minha infância, na Vila Carolina, ficava admirado com aquelas peças de metal, lustrosas, brilhantes, para mim algo aparentado com a prata, que os carroceiros usavam para pesar toda sorte de coisas, como batatas, feijão, miúdos de gado. Na venda do Seu Ataídes, também eram usadas de vez em quando, pois havia uma balança com um ponteiro que marcava o peso certo. Assim que aprendi a acolherar as letras, lia na plaquinha: “Filizola”, um nome ao mesmo tempo engraçado para uma máquina – parecia-me faceira demais – e instigante quanto aos possíveis significados. Na feira também me deparei com umas peças sem brilho, com o ferro escurecido e cascudo pelo manuseio.

Naquele tempo, intuía que eram providências necessárias para garantir o quilo de açúcar, farinha ou cebola. O que sequer passava pela minha imaginação era onde residia mesmo aquilo que conferia tal equivalência. Alguns anos mais tarde, eu me deparei com um quadro que a nossa professora do primário nos mostrou, para indicar os diferentes pesos, enquanto passávamos a lição sobre medidas de grandeza. Mesmo com tal evolução de conhecimento, jamais me deparei com a origem do sistema e o que garantia a honestidade dos vendedores – ou quanto perdia em gramas a nossa ingenuidade.

Agora leio a notícia de que no ano que vem, 2018, o padrão internacional desta medida vai mudar. O quilo sofreu com o peso dos anos – ou os cientistas querem se antecipar a isso. E eu que pensava serem só os cronistas que se preocupavam com coisas desse jaez: minúcias, miudezas, minudências. Acontece que os cientistas se preocupam com grandezas, com perenidade, a vida minúscula e o cosmos em expansão. E aí é que fiquei conhecendo o tal do Protótipo Internacional do Quilograma, um cilindro de metal feito de platina e irídio, elementos escolhidos pela sua resistência. O tal do IPK está armazenado em algum lugar próximo a Paris, desde 1889, vejam só. Como pôde resistir no tempo minha ignorância sobre tal coisa? Bem, sequer a resistência do tal Protótipo é considerada mais um fator de segurança para a peça-padrão, mesmo que esteja guardada em uma redoma de vidro.

O pessoal do Comitê Internacional de Pesos e Medidas, guardião do tal Protótipo, verifica se as cópias do cilindro padrão – várias foram distribuídas pelo mundo – mantêm a massa igual. Só que elas têm sofrido desgastes pelo manuseio ou por impurezas, e a ciência quer exatidão. Vai daí que será mudada a referência para o quilograma: de um objeto, cujas características mudam com o tempo, para um conceito da física, um valor que não muda, uma fórmula matemática, obtida com a ajuda do computador.

Pouca coisa vai mudar na vida de um vendedor de feira ou de uma criança curiosa. Um praticante de fitness vai continuar preocupado com sua massa corporal na mesma medida, ou o apressado funcionário que enfrenta a fila da comida a quilo vai se sentir saciado do mesmo modo. O levantamento de peso nas Olimpíadas será recompensado com medalhas do mesmo padrão. Mas para o comércio internacional, por exemplo, que trabalha com pesagem em larga escala, a mudança vai pesar algumas toneladas. Não sei se o peso na consciência poderá ter uma aferição mais precisa, no entanto, seria bom que o novo padrão também pudesse contribuir para um aprimoramento ético. A velha medida de humanidade ainda é necessária, e no caso da consciência, vale quanto pesa.

LIVRO QUE ESTOU LENDO

Trata-se da obra de um grande escritor, lançado por uma grande editora, Alfaguara, cujo título estimula a curiosidade de quem o vê na estante. Foi o que aconteceu comigo. Comprei o livro por estes ingredientes, sem ao menos conferir as referências da capa ou das orelhas. Dentre os livros que li nos últimos anos, seguramente posso indicar ao menos dois deste autor laureado com o Nobel da Literatura: Travessuras da menina má e O sonho do celta. Mas neste seu mais recente romance, Cinco esquinas, não consigo encontrar o Vargas Llosa de Conversas na catedral, de A guerra do fim do mundo ou de Tia Júlia e o escrevinhador. Um escritor não precisa se manter no topo onde a glória literária o entronizou. Lembro-me de uma novela singela – e não para rimar – de Garcia Marquez, dentre as suas últimas produções: Memória de minha putas tristes. Ainda que não nos faça lembrar de Cem anos de solidão, ou de Crônica de uma morte anunciada, é uma obra sincera, elegante, de um humanismo sensível e pungente. Já em Cinco esquinas, a narrativa não tem muitos elementos que sustentem a atenção dos leitores contumazes, é frouxa, tem muitos chavões e lugares comuns – não vou creditá-los ao trabalho dos tradutores; a trama é repleta de clichês típicos das novelas de quinta categoria. Entretanto, talvez esteja nesta a parte que possa agradar: a história é ambientada em uma época complicada do governo Fujimori, envolvido em negociatas para se manter no poder, sustentando um jornalismo marrom com a finalidade de achacar seus opositores, e um Peru ainda sacudido pelas ações terroristas do Sendero Luminoso, tempo de apagões e toques de recolher. Esses aspectos formam o cenário onde se movem jornalistas, ricaços metidos em confusões, duas mulheres casadas envolvidas em uma aventura amorosa e um assassinato violento que implica todo mundo. Quem quiser se aventurar que se aventure, mas não diga que não avisei.

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