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Que país, cara pálida? – por Orlando Fonseca

De tempos em tempos, deveríamos ser obrigados a fazer uma antiga pergunta: Que país é este? E não adianta colocar a conhecida interjeição após, invocando o Todo poderoso. A estas alturas do campeonato, já sabemos que Deus não é brasileiro. Se o era, já pediu cidadania em alguma nação menos cabulosa. Semana passada, ainda na ressaca das tragédias que ocuparam os noticiários durante vários dias, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sugeriu aos pais brasileiros, ao anunciar que lera uma pesquisa que diz ser o país o pior lugar da América do Sul para criar meninas: “Fujam, fujam do Brasil”. Assim, como se não fosse a titular da pasta que deveria tratar justamente de garantir as condições para que os brasileiros, meninos, meninas, filhos ou pais, permaneçam nos limites do que podemos ou devemos chamar de “nossa Pátria”. No entanto, como ficou bastante esquisito nos últimos anos, somos obrigados a pensar sobre que país estava falando a Ministra? A ditadura recomendava: Ame-o ou deixe-o. Damares Alves sugere: Corra o risco, ou fuja. Sim, o perigo está vindo de onde menos se espera. Vide o segurança que matou um adolescente, sufocando-o contra o chão, em um Shopping do Rio de Janeiro. Onde é que estamos? Essa é a mesma pergunta que a estupefação humana mundial faz, não tendo nascido entre o Oiapoque e o Chuí. Até um ministro, o da Educação, que é naturalizado brasileiro, olha os seus atuais conterrâneos e exclama: são uns canibais! Para onde, José? Para onde, pergunto drummondianamente.

A pergunta, aludida acima, reverberou nas agitações da juventude no final dos anos 80 como rock na voz de Renato Russo, ecoando desde Brasília. Mas quem, na verdade, a popularizou, transformando-a em provérbio, a ser sacado em tempos de obscurantismo explícito, foi o deputado mineiro, Francelino Pereira, que a repetia nos anos de chumbo da ditadura militar: Que país é este? Depois, foi parafraseada por outro mineiro, o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, em um longo poema dos anos de agonia do regime militar e começo da Nova República. Em vista da atual conjuntura social e política, desta longa convalescença que experimentamos, pós regime de exceção e perseguição política, e porque devemos decidir se celebramos ou lamentamos tudo o que está aí, devemos repetir a grande indagação republicana-brasileira: Que país é este?

É para lá que todos olhamos, quando fazemos a mesma indagação. O que resta de Brasil ao brasileiro comum e às suas expectativas de uma nação que lhe seja propícia? Ao povo é dado conhecer, no seu dia-a-dia, uma fração disso que poderia ser o Brasil: a sua casa, o seu trajeto ao lugar de trabalho, o comércio, seus lugares de lazer, a natureza. Enfim, coisas que hoje estão carentes de significados mais expressivos: os que não estão desempregados estão descontentes com o salário, ou com a diferença do valor do dinheiro entre o que ganha e o que tem de pagar no comércio; os bens públicos são maltratados nas ruas, e, em nome do progresso, a natureza é sacrificada. Segundo a ONU, persiste ainda a vergonha de sermos a nação com a pior distribuição de renda na América Latina, e uma das piores no mundo. A situação radiografada pelo relatório é um acúmulo de desastres cometidos ao longo de muitas décadas. E a julgar pelo comportamento errático dos atuais governantes, estamos longe de recuperar o que nunca tivemos: soberania.

No mínimo, se estas circunstâncias não nos fazem céticos quanto ao futuro da nação, fazem-nos indolentes. Pois como diz a música do Skank, para ficar entre os mineiros – “Se o país não for pra qualquer um não será para nenhum”. E não adianta lançar mão do recurso retórico de colocar Deus acima de tudo. Um país é coisa de todos, e, enquanto a maioria estiver percebendo que é para uma minoria, persistirá a sensação de que não merece os maiores respeitos.

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