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ComportamentoCrônica

CRÔNICA. Gilvan Ribeiro descobriu que o Centro não era “deles”. Mas só notou isso após conhecer o mundo

Eu não vou mais ao Centro, porque o Centro não existe mais

Por GILVAN RIBEIRO (*)

Às vezes eu tenho a impressão de que já vivi mais de uma vida dentro desta que tenho. O que me leva a crer nisso  é quando eu olho para trás e percebo que a minha forma de ver o mundo e de interagir com ele se modificou consideravelmente nos últimos anos.

Este movimento não ocorreu por acaso, muito pelo contrário, existe um fator que eu considero fundamental para tal metamorfose. Se quando eu tinha doze anos o meu sonho maior era conhecer Porto Alegre, a capital do meu estado, mal sabia que viajar pelo mundo seria um privilégio que me ocorreria tão logo.

O que eu não podia imaginar, também, é que o movimento de ir e vir a lugares tão diferentes, tornaria globalizada a cabeça daquele menino camprestreiro, que outrora era rígida, de curta visão e apequenada. Condições que não considero por regra predominante aos que têm a mesma origem do que eu, nesta comunidade. Guardo aqui tais adjetivos apenas ao jovem que fui. Mas, trocando em miúdos, não é segredo para ninguém o quanto a condição periférica de vida, num país subdesenvolvido é fator limitante no desenvolvimento de um cidadão.

É importante destacar que o fato de viajar para lá e para cá não torna alguém espontaneamente mais ‘’aberto’’. Para que uma abertura substancial ocorra é preciso carregar certa predisposição de interesse e de busca. Além disso, abre-se para o mundo quem consegue romper com as barreiras do preconceito social mais básico. Aquela que separa pobres de ricos e que os considera diferentes. Neste momento, mais uma observação. Estamos acostumados a considerar que este preconceito existe apenas no lado da classe economicamente dominante. Mas vindo da periferia eu percebi o quanto que nos é ensinado que “rico é cheio” ou que  “ele é gente boa, apesar de ser rico”.

Óbvio que, nas palavras do poeta, “como fere e faz barulho bicho que se machucou, viu”. Portanto, entendo perfeitamente o grito e o barulho dos que se ferem com os espinhos da rosa capitalista, pois os senti na pela. Mas aprendi que a generalização é uma armadilha perigosa, que pode nos manter presos compulsivamente a uma retórica bélica e polarizada.

Após ressaltar estes importantes adendos, volto o foco da questão de minhas transformações, destacando o que considero a mais importante de todas: eu não vou mais ao Centro, porque o Centro não existe mais.

Muito provável que esta teoria – a de que existe um Centro – já foi comprovada por algum estudo de antropologia social. Não irei destacar nenhum artigo ou autor da área, não por preguiça, mas por confiar no relato empírico da minha própria experiência. E também, para me proteger de qualquer desentendimento que possa surgir ao citar recortes teórico-científicos. Sendo assim, acredite quem quiser nesta estória que estou contando.

Quando eu digo que eu não vou mais ao Centro, uso referência de um sentimento que eu carregava ainda na infância. Morando no bairro Campestre, região afastada do Centro da cidade, ficava bem claro para mim que ir até lá era um evento especial.

Escolhíamos a melhor roupa, o melhor desodorante e chegávamos dez minutos antes na parada do ônibus, apenas por precaução. O Centro era um lugar distante, não geograficamente, mas intuitivamente. Eu sentia que lá não era o meu lugar, era o lugar “deles”.

Para comprovar que isso não tem a ver com distância geográfica, quando eu ia visitar o meu primo que morava no bairro Nova Santa Marta, que era mais longe do Campestre que o próprio Centro, eu sentia que não havia distância entre eu e aquela outra comunidade. Mas o Centro sim, este era muito longe. Tanto que íamos pouco, tanto que tínhamos poucos motivos para ir.

O tempo passou, eu cresci e passei a conhecer outros ‘’Centros’’ mundo afora. Conheci mais de vinte países e com isso a minha percepção de Centro foi ganhando outro significado. Aquilo que eu acreditava ser o Centro foi se dissolvendo e se revelou para uma diferenciação, agora sim, apenas geográfica.

Não estou querendo dizer que por meio desta visão tudo se resolve e as condições práticas (e desiguais) de vida, que separam os que estão no Centro dos periféricos, solucionam-se num piscar de olhos.

O que trago, apenas, é a percepção de que precisamos, devemos e podemos romper com as barreiras que nos separam uns dos outros – dentro do peito. Eu tive que subir, ir até o Centro diversas vezes para entender que esta diferenciação que fizemos entre os humanos daqui, para com os humanos dali, apenas limita o nosso espírito de crescer, e assim, nos afasta da felicidade enquanto coletivo e, consequentemente, enquanto indivíduo.

Vindo de baixo, este foi para mim um movimento de empoderamento. Tive a sorte do acesso, e consegui me livrar de uma visão tão pequena. É por isso que volto e tento levar outros comigo, até que possamos alinhar a gangorra da desigualdade. Aos de cima, sugiro que desçam e percebam o fator limitante que é, quando você acredita ser superior aos outros.  Humanamente nos igualamos, espiritualmente nos igualamos. Eu precisei viajar pelo mundo para não precisar mais ir ao Centro. Eu precisei viajar pelo mundo para entender que o mundo é todo meu, que o mundo é todo nosso.

(*) GILVAN RIBEIRO, 29 anos, é atleta olímpico e apaixonado pelo jornalismo (cursa o 8º semestre, na UFN) e pela Psicologia (está iniciando o curso, na UFSM). Ele escreve no site sempre aos sábados.  OBSERVAÇÃO DO EDITOR: As imagens que ilustram esta crônica são reproduções da internet.

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