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CRÔNICA. O instante em que o bélico parece deixar a educação em segundo plano. Será, Orlando Fonseca?

Educação para quê?

Por ORLANDO FONSECA (*)

Febre alta, delírios, suores, aquecimento global, dores na conjuntura, inflamação popular. A sociedade está doente. No Brasil, a doença pode ser uma dessas epidemias tropicais, mas agravada por uma série de terapias malsucedidas. Os sintomas podemos conferir todo dia, nos boletins noticiosos da TV, nas manchetes dos jornais ou da na internet.

Aumento brutal do feminicídio, ataques a minorias, homicídios não esclarecidos pela polícia, aumento das ações do crime organizado e ódio generalizado nas redes sociais. O massacre da escola em Suzano é apenas mais um, e mais chocante pelos detalhes sórdidos.

Quero chamar a atenção para um detalhe. Não pretendo estabelecer uma responsabilidade com o quadro atual – de resto, formando-se há muito tempo -, mas considerar que os atos da violência simbólica são poderosos.

Durante muitos anos, nos quais a imprensa não operava com o sensacionalismo, não se dava destaque a suicídios, para não alimentar o desejo de exposição nesses casos. Mas as notícias viraram mercadoria, e as celebridades instantâneas foram potencialidades nas redes sociais.

Desse caldo cultural é que nasce a figura de um presidente (eleito democraticamente), o qual , durante a campanha eleitoral, passou fazendo gesto de arminha? O que aquilo queria dizer: vamos dar as mãos, vamos fazer um esforço pela paz? Acho que não.

Ao longo dos anos 60 e 70, popularizou-se o gesto dos dois dedos em V, dos hippies, para indicar o sinal de “paz e amor”. O mesmo gesto é característico, em outras circunstâncias, para desejar ou comemorar vitória. O Nazismo tinha o gesto do braço estendido em saudação.

Nos EUA, nos anos 70, atletas simpatizantes dos Panteras Negras ergueram os punhos em protesto contra o racismo. Arminha quer dizer o que mesmo? A banalização do mal naturaliza certas ações, para desprezar ou minimizar a crítica e a oposição.

No caso do ataque a uma escola em Suzano, no interior de São Paulo, um dos jovens tinha obsessão por armas, manifestava seu ódio patológico contra a sociedade organizada, deixando explícita as suas preferências e adesão política.

De um outro lado desta história, quando autoridades constituídas vêm a público fazer declarações tais como “se professora estivesse armada a chacina poderia ser evitada”, só podemos entender que a doença da sociedade é grave.

Quando se fala – e não estou generalizando (sem trocadilhos) – que uma visão militar de gestão pública pode ser deletéria para a democracia, é disso que se fala. Na caserna se aprende a defesa com armas, contra os inimigos externos, bem entendido.

No entanto, não se pode pensar que a luta contra a violência armada é estar mais armado ainda. Não pode se espraiar pelo imaginário social a tese de que a população hábil no manejo de armas e defesa pessoal é o caminho para a paz.

O próprio presidente eleito, quando ainda em campanha, segundo nos faz crer, mesmo protegido por um aparato de segurança, foi atingido por uma faca. Tão ridículo quanto o foram as fake news contra o então candidato Haddad (“mamadeira com piroca” no kit escolar), seria imaginar que o MEC estaria montando um kit sobrevivência para os estudantes brasileiros, com uniformes de campanha com estampas de camuflagem, um AK 47 mini e munição.

Não haveria mais educação física, nem quadras de esporte, mas treinamentos de tiro em stands superequipados. Toda professora teria, além de canetas e folhas, a sua pistola de segurança.

Este governo está apenas no começo, podem alegar alguns, mas já deu demonstração de sua disposição em mudar o estatuto do desarmamento. Precisamos mais é desarmar os espíritos. Nestas alturas do processo civilizatório, se não for educar para a cidadania, não é preciso mesmo educação, porque como bestas-feras, a barbárie está entranhada em nossos mais baixos instintos, que prescindem do uso da razão, desconhecem o afeto, o amor, e tudo o que há de enlevado em viver com ética.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e  Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.

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3 Comentários

  1. Girem 90 º a imagem acima e temos um L.
    De de ELE, pronome ou a letra;
    Uns apontam a arminha para o lado outros para cima.
    Indicador e polegar esticados são parte das campanhas de alguns.

  2. Vermelhinhos começaram o mimimi do ‘cultura da paz’. É orquestrado, basta ver a difusão da coisa, um fala, outro repete, dali a pouco estão todos dizendo exatamente a mesma coisa.
    Gesto pela paz? Único possível é manter polegar, indicador, anula e mínimo recolhidos e o dedo médio em posição de sentido.

  3. Como diria Freud: simbólico é o K7.
    Homicídios não esclarecidos não é de hoje. Para quem não é ‘fiscal moral’ do Universo não existe ódio generalizado nas redes sociais (advertência do Ministério da Saúde: quem não gostar de jiló não coma).
    O massacre em Realengo foi no governo Dilma, a humilde e capaz.
    Se a imprensa não divulga o suicídio para não incentivar, por que noticiam feminicídio todos os dias?
    Professora armada é uma tremenda bobagem, saiu de um ex-oficial da policia militar hoje senador. Como é bobagem ignora-se, ressalvado o direito dos vermelhinhos usarem para tentativa de proveito político. Estampa bem o nível intelectual.
    ‘Não estou generalizando’, ‘não pretendo estabelecer uma responsabilidade’, não entra nem no ‘Retórica for Dummies’.
    Vermelhinhos tem obsessão com a mamadeira com piroca. Fase oral mal superada.
    Querem mudar o estatuto do desarmamento? Não passa, talvez nem seja pautado.

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