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ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega e a veemente defesa do “Fazer História”, algo que sempre foi sério

O perigo da História mal-entendida

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

Marc Léopold Benjamim Bloch nasceu em Lyon na França em 6 de julho de 1886. Filho do professor de História Antiga Gustave Bloch, iniciou sua formação acadêmica em Paris, tendo estudado também em Berlim e Leipzig, na Alemanha. Quando trabalhava como pesquisador junto a Fundação Thiers, foi obrigado a interromper suas atividades devido a Primeira Guerra Mundial. Serviu ao exército francês como soldado de infantaria, sendo condecorado por mérito após ter sido ferido em batalha.

Com o término da guerra ingressou na Universidade de Estrasburgo onde, juntamente com o colega Lucien Febvre, fundou a revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, em 1929. A revista se tornaria uma referência mundial no processo de repensar a História, dando origem a chamada Escola de Annales. Com o advento da Segunda Guerra Mundial e a invasão da França pelos Nazistas, Bloch aderiu ao movimento da Resistência Francesa. Após ter sido preso e torturado pela Gestapo, a polícia política nazista, foi fuzilado em 16 de junho de 1944.

Além de ter sido um dos mais importantes historiadores do campo da História Comparada, Bloch se destacou por duas grandes obras sobre o período medieval: os Reis Taumaturgos, de 1924, e a Sociedade Feudal, de 1939. Tais obras tiveram inúmeras edições e reedições no mundo todo e fazem parte da formação de inúmeras gerações de historiadores. Mas não foram apenas as obras publicadas em vida que destacaram o trabalho de Marc Bloch; as obras publicadas após a sua morte também se tornaram referências para o pensar historiográfico, entre essas “Apologia da História ou o Ofício do Historiador”, de 1949.

Nesta obra, Marc Bloch produziu uma intensa reflexão sobre a natureza da ciência histórica e sobre o trabalho do historiador. Entre os seus mais significativos trechos chama atenção aquele onde o autor afirma que a “história mal-entendida, caso não se tome cuidado, seria muito bem capaz de arrastar finalmente em seu descredito a história melhor entendida” e que uma vez eu isso venha a ocorrer o preço a ser pago seria o “de uma violenta ruptura com nossas mais constantes tradições intelectuais”.

A atualidade desta reflexão se faz presente em tempos onde o Negacionismo Histórico chega ao poder em muitos países, propondo uma revisão da História recheada de Teorias de Conspiração. Construída a partir de uma série de imprecisões e omissões, despreocupadas com o fazer do historiador, tal revisão histórica procura se afirmar, sobretudo, através da imagem de que a ela pertence a “verdadeira história”, oposta à “doutrinação esquerdista” feita pelos professores e pelos acadêmicos da área. Dessa forma, as Faculdades de História são transformadas em redutos de inimigos que falseiam a “verdade”.

O filósofo francês Michel Foucault, ao longo de sua trajetória, afirmou que por trás do Discurso da Verdade se esconde um desejo de saber e uma vontade de poder que nada mais é do que uma vontade de impor um poder que exclui o pensar e o agir diferente do seu. Muitas vezes, este discurso é autojustificativo, ou seja, não necessita comprovação, apenas a afirmação. Não a toa o Discurso da Verdade se completa perfeitamente com governos e posições política autoritárias.

São parte deste movimento político a negação do Holocausto, a tese do “nazismo de esquerda” e, mais diretamente na História do Brasil, a negação do Golpe Civil-Militar de 1964 e da Ditadura. Tal movimento, quando não consegue convencer com afirmações baseadas nas teorias de conspirações ou em comparações de realidades e preceitos incomparáveis, procuram justificar suas opiniões com frases como “eu vivi”, “eu vi”, como se uma experiência particular pudesse ser alçada à condição de um todo histórico impossível de ser percebido no âmbito individual. Como se a mera opinião substituísse o trabalho de anos de pesquisas documentadas, metodicamente conduzidas com o cuidado de procurar fugir dos “achismos” e das paixões que um tema faz emergir.

“Fazer História” é algo sério, exige método, concentração, visão crítica sobre os documentos e muitas vezes intuição realista. O “Fazer História” não é um afirmar do que é conveniente para a uma posição política ou negar um fato para afirmar uma vontade de poder. O talento do historiador na maioria das vezes não está no que ele diz, mas na forma como ela produziu aquilo que diz ou, como escreveu Marc Bloch, “as causas, em história como em outros domínios não são postuladas. São buscadas.” Nessa busca não há espaço para meras opiniões ou ilusões transformadas em instrumentos de manipulação política. A História merece respeito!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreverá no site aos domingos, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, doutorando em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esse artigo é uma reprodução da internet.

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2 Comentários

  1. Esquerda e direita já não são termos universais e de uso unânime. Porém, se observarmos o programa do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães salta aos olhos alguns pontos. Todos os cidadãos com iguais direitos e obrigações. Nacionalização de todas as indústrias. Divisão dos lucros de todas as indústrias pesadas. Abolição de toda renda não merecida, ou seja, não proveniente do trabalho (sim, já combatiam o ‘rentismo’). bem-estar social na velhice, reforma agrária, abolição do trabalho infantil, proteção da mãe e das crianças, poder centralizado, o Estado dever prover as oportunidades para o bem estar dos cidadãos. Por aí vai. Parte do programa esta aí, a informação está aí. Juízo de valor é por conta de cada um.

  2. Sempre foi sério? Pessoal que foi para a luta armada contra o regime militar não apregoava que ‘lutavam pela democracia’? Nunca quiseram instalar a ditadura do proletariado no país? Mesmo com Cuba, Bloco soviético e China intervindo?
    Grande maioria dos professores de história são militantes de esquerda, é coincidência? Alás, abordagem marxista transformou a história num assunto tão estéril que quase ninguém se interessa. O pouco de interesse que apareceu nos últimos tempos foi pela mão de jornalistas. É ou não é sintomático?

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