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ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega e o ataque ao ensino (aliás, fundamental) de Filosofia e Sociologia

Em defesa das Ciências Humanas, para não sermos uma sociedade não-humana!

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

O que há em comum entre John Smeaton, considerado pai da Engenharia Civil, Apsyrtus, pai da Medicina Veterinária, Hipócrates, pai da Medicina e da Ciências da Saúde, e Pitágoras, pai da Matemática? Ambos, em diferentes momentos históricos e diferentes locais, partiram da Filosofia para dar início às reflexões e a construção dos métodos que originaram tais atividades.

Nenhum deles partiu de um interesse material imediato, como o lucro ou a busca de um “ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família”. Não! Foi a reflexão filosófica e, ouso afirmar, “sociológica”, sobre a necessidade de dar respostas aos problemas que suas sociedades se colocavam que possibilitou os primórdios das referidas atividades.

O filósofo francês Gilles Deleuze, em sua obra “O que é filosofia?”, chamou atenção para o fato de que “Pensar é experimentar, mas a experimentação é sempre o que se está fazendo – o novo, o notável, o interessante, que substituem a aparência de verdade e que são mais exigentes que ela”. Essa experimentação é sempre filosófica! Esteve na base do salto de desenvolvimento da Alemanha na segunda metade do século XIX, onde, paralelamente as inovações industriais-tecnológicas, foi se desenvolvendo um pensamento filosófico que possibilitou não apenas a emergência de uma pluralidade de visões de mundo, como também a ascensão de matemáticos e físicos do nível de um Ferdinand Georg Frobenius, um Julius Wilhelm Richard Dedekind e um Albert Einstein.

Foi justamente Einstein que, em seu livro “Como vejo o mundo”, escreveu que “Não basta ensinar o homem uma especialidade”, pois isso o tornará “uma máquina utilizável, mas não uma personalidade”. Segundo o gigante da física, é necessário que o ser humano “adquira um sentimento, um senso prático que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto”. Era necessário “aprender a compreender as motivações dos homens, suas quimeras e suas angústias para determinar com exatidão seu lugar exato em relação a seus próximos e à comunidade”.

Publicada originalmente em 1934, esta magnífica obra não era apenas uma reflexão, uma autoanálise intelectual, sobre ciência e educação, mas também uma forte crítica às perseguições ao pensamento livre que vinham sendo feitas pelo fascismo e pelo nazismo. Perseguições essas que atingiram o próprio Einstein, que em 1933 renunciou aos seus cargos na Alemanha e emigrou para os Estados Unidos, fugindo dos primeiros sinais de sufocamento das Universidades promovidos por Hitler a partir da justificativa de que aquelas eram “locais de formação de comunistas e depravados”.

Como a História não se repete, o máximo que podemos ver são farsas que sob a aparência de repetição de velhas tragédias, nos indicam caminhos para uma nova tragédia. É inegável que as Universidades Públicas se tornaram o grande inimigo dos pensamentos formatados e das teorias de conspiração que constantemente são anunciadas por vários membros do governo brasileiro, inclusive o próprio presidente.

Sob a acusação de serem locais de “doutrinação” e propagação de um certo “marxismo cultural” (Sabe-se lá o que isso significa? Afinal, nenhum intelectual metodologicamente comprometido reconhece a existência de tal ideia) e da irreal afirmação de que “não produzem ciências” (O que não se sustenta! Basta um mínimo olhar sobre os dados de produção de pesquisa no Brasil), as Universidades Públicas, seus professores, técnicos-administrativos e estudantes são cotidianamente atacados.

O último desses ataques foi feito aos Cursos de Filosofia e Sociologia, duas disciplinas fundamentais para o campo das Ciências Humanas e para a formação da cidadania. Para Einstein, apenas “com os seus conhecimentos profissionais” o ser humano será mais semelhante a um “cão ensinado do que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida”. Quem propicia essa harmonia é a experimentação filosófica e a crítica sociológica. Por isso, defender as Ciências Humanas é principalmente defender a humanização da sociedade, afinal, somente uma sociedade humanizada é capaz de desenvolver-se economicamente e cientificamente de forma ética e solidária! A causa das Ciências Humanas, portanto, é a causa da própria humanidade! É a luta contra a degradação humana e o autoritarismo, que nunca se contenta com um limite! Hoje ele ataca a Filosofia e a Sociologia, amanhã qual será o alvo?

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site aos domingos, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esse artigo é uma reprodução da internet.

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5 Comentários

  1. Tive vontade de parar de ler quando o autor reduz o chamado “marxismo cultural” a uma teoria conspiratória. Pressupondo a sua boa-fé e atribuindo seu argumento ao desconhecimento do assunto, um professor de humanidades ignorar os ensinamentos de Gramsci, da “Escola de Frankfurt” e seus produtos como o pós-modernismo, o politicamente correto (que estupidifica as pessoas moldando a mentalidade e a linguagem, retirando delas a capacidade de livre pensar), etc, apenas evidencia o fracasso dos nossos cursos de ciências humanas em entender o que se passa na sociedade e justifica a decisão do governo não de atacar esses cursos, mas de retirar deles em parte os escassos recursos dos pagadores de impostos e destiná-los àquilo que pode trazer crescimento para o país e bem estar à população.

  2. Obama (um cara legal, presidente americano com administração discutível) lançou um programa governamental (2016?)chamado ‘STEM for All’, STEM para todos. Andaram artificialmente aumentando o acrônimo, mas o programa governamental era/é este. Do que se trata? Ênfase no ensino de ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Pessoal de humanas por lá não gostou. óbvio, queriam dimdim também. Lembra o governo Dilma, a humilde e capaz, pessoal do jurídico fez até abaixo-assinado para incluir direito no programa ‘Ciência sem Fronteiras’.
    No Japão os cortes acontecem pelo menos desde 2015. No Reino Unido desde 2008. É tendência mundial.
    Mais, pergunta que não quer calar, qual o grande filósofo brasileiro que tem reconhecimento mundial? Não ‘faz-de-conta’ que a propaganda anti-espírito-de-vira-lata promove, mas real?

  3. Primeira falácia: mesmo que as tais disciplinas saíram da filosofia (alás filosofia natural como ficou conhecida) há séculos não acontece a mesma coisa. Nota-se a velha máxima ideológica da ‘dívida histórica’.
    Einstein, apelo à autoridade.
    História se repetindo como farsa, Marx.
    Marxismo cultural, neo-marxismo pós moderno, gramscismo, teoria crítica da Escola de Frankfurt, não adianta tentar disfarçar, existe.
    Abobrinhas à parte, chega-se no busílis. Ciências humanas necessárias ao raciocínio crítico, formação da cidadania, crítica sociológica, humanização da sociedade. Há pelo menos 30 anos são ensinadas livremente. Qual o estado da sociedade brasileira? Com Fake News, gente destratando-se a torto e a direito nas redes sociais, lista é interminável. Conclusão não tarda, ou as referidas disciplinas não têm o efeito que propagandeiam, ou o ensino/pesquisa das mesmas está sendo feito de maneira errada.
    Em tempo, vermelhinhos não acreditam em avaliar o resultado/efeito das políticas públicas, consideram ‘positivismo’. Também é ideológico.

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