CRÔNICA. Pylla Kroth e o incrível espanto com um futuro que já chegou. E ainda tem a tal de fibra ótica…
Os futuristas
Por PYLLA KROTH (*)
Na primeira vez que ouvi a palavra “Futuristas” eu era bem garoto. Foi em um “Baile de Kerb”, festa tradicional em colônias germânicas, conhecida popularmente como “festa da igreja”, pois geralmente ocorre na paróquia local, após a missa, ou seja é basicamente a popular quermesse. Hoje em dia esses bailes não têm mais muita ligação com a igreja e mais um caráter popular. Mas enfim… A banda que tocaria no baile naquela ocasião trazia o nome “Futuristas”, foi assim que ouvi a palavra pela primeira vez, como eu ia dizendo.
Demorei um bocado para simpatizar com esta palavra desde então. Da mesma forma que posteriormente com a palavra “moderno”, que nunca soou bem nos meu ouvidos. Como descendente de alemão, sabem como é: quando implico com algo, é difícil mudar. Dizem até por aí que “teimoso é quem teima com alemão”
Minha infância foi marcada e forjada na base da manivela. Era a manivela pra fazer o motor do carro pegar, a manivela de tirar água do poço, a furadeira era de manivela (pua), e a lista vai longe. E quando não era manivela era corda. Ou corda associada a manivela. Corda pra puxar a água do poço, corda pro relógio, corda e mais corda. Ou seja, até aí nada muito futurista, tudo muito tradicional, muito raiz.
Lembro de ter perguntado pra minha mãe o significado da palavra futurista e aí sim a coisa piorou, quando ela tentou me explicar. Pensei comigo mesmo que algo futurista pelo menos era uma coisa muito distante e que devia ficar tranqüilo com a palavra, se não conseguia compreendê-la nem lidar com o que ela significava, algo moderno e à frente de seu tempo, algo que praticamente vinha do futuro, incomum, impressionante, que requeria conhecimento muito avançado para utilizar. Mas que nada! Essa palavra me incomoda até hoje. O moderno e o futurista sempre me complicam a vida, admito, especialmente quando se trata de tecnologia, quase sempre peno para me adaptar!
O tempo ia passando e logo tivemos em casa televisão e pude assistir o homem pisando na lua. Diziam que aquilo seria por um futuro melhor, que traria grandes avanços, modernizaria a vida das pessoas comuns, que a era da manivela, da corda e das engrenagens já estava a se ultrapassar quase como a idade da pedra! Na mesma televisão eu via o desenho animado “Os Jetsons” e seus “futurismos”, mas mesmo assim os anos dois mil eram uma coisa que levaria uma eternidade para chegar, na minha cabeça infantile. “Provavelmente nem vou estar vivo até lá, ou já vou ser muito velhinho, que me importa? Não preciso me incomodar com o futuro como algo desconhecido e difícil de lidar” – isso é claro, não tocando no fato que o ano dois mil significaria o fim do mundo (risos).
Bem, o ano dois mil chegou há quase duas décadas já, o tempo foi passando rápido e aqui estou eu ainda, bem vivo da silva e saudável, graças a Deus, e não estou bem velhinho ainda. E o mais surpreendente de tudo, sentado diante de um computador, palavrão no meu tempo de menino, uma máquina avançadíssima e caríssima, muito futurista, que só os cientistas e pessoas muito entendidas e estudadas sabiam usar ou tinham acesso, embora naquela época já se previsse em algum lugar do mundo que futuramente toda casa moderna teria um computador, mas as pessoas comuns nem sequer cogitavam que viveriam o suficiente para vivenciar este avanço tecnológico. Aqui sento-me diante do meu próprio (e na minha casa tem muito mais de um, como na maioria das casas, aliás tem um dentro de cada bolso se formos pensar direito!) e escrevendo no presente a respeito do futuro, ou seja, o futuro é aqui e agora, acontecendo no tempo presente.
Dias desses cheguei sonhar com uma Santa Maria num tempo bem a frente, uma cidade futurista. Ao acordar e olhei da minha janela os buracos nas ruas centrais e as lixeiras transbordantes, catadores revirando a procura de recicláveis para sobreviver, e pensei que ainda estamos longe do dito cujo, apesar de vivermos em termos futuristas considerando-se a definição que se tinha dessa palavra em tempos passados não muito distantes. Mas pelo menos no passado acreditávamos no futuro como um lugar onde esses problemas e muitos outros seriam coisa da idade da pedra, resolvido há séculos.
Na semana passada bateu em minha porta um rapazote me oferecendo internet com cabo de fibra ótica e novamente entro em conflito comigo mesmo, continuo encucado e desconfiado com coisas do futuro que hoje se tornaram presentes em minha vida. Fazendo jus ao alemão cabeçudo que falei acima, deixo o sujeito entrar. Lá veio ele com toda aquela lábia de vendedor de planos que dispensa comentários. Nessas horas peço auxilio a minha mulher, pois ela entende e me entende como ninguém, e joga no meu time e deixo ela decidir. Pronto, não demorou 24 h e chegou um técnico pra instalar o dito cujo. Meia hora e nada. Chegam mais dois auxiliares, e nada de vir o sinal. Resolvem chamar ajuda e chegam mais cinco técnicos. Eu já não acreditava mais na possibilidade. Eis que depois de três horas procurando o caminho da canalização encontraram e, ufa!, o cabo chegou para proceder a instalação no apartamento.
Curioso, pedi pra dar uma olhadinha no danado, pois eu não conhecia um cabo de fibra ótica e então o técnico com toda calma e delicadeza desencapa o fio e com uma pinça moderninha me mostra o treco. Tive que pegar meu óculos, pois, juro, não passa da grossura de um fio de cabelo! Olhei bem pra cara dos elementos na minha sala e afirmei bem enfático: “se essa merda não funcionar, vou atrás de um por um de vocês!” Na minha cabeça não entrava como um fio minúsculo daqueles podia me oferecer internet mais rápida e de melhor qualidade, e o mesmo para telefone e televisão. Todos eles riram, o que me deixou ainda mais encanzinado. No primeiro dia de funcionamento dos equipamentos novos estava triste, pois a coisa não estava me agradando, parecia que eu tinha comprado gato por lebre, mas aí novamente me explicaram que os equipamentos precisavam atualizar, e outras coisas lá e agora, agora estou maravilhado com essa coisa que parecia estar bem distante da minha vida. Aqui não navego mais, aqui eu vôo!
Que coisa… qual será a próxima que o futuro e a modernidade há de me inventar e me forçar a me adaptar e depois ter que dar o braço a torcer? Chego a ficar desconfiado!
(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.
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