José Rock
Por PYLLA KROTH (*)
Sou roqueiro, sim, e esse é meu estilo de vida e meu ganha-pão, que foi se moldando com naturalidade na estrada da minha vida. Lá se vão quase 40 anos de andanças e barulho graúdo pelos palcos deste chão de meu Deus.
Lembro-me com carinho até dos tênis bamba, conga e kichute chulezentos que usei na minha rica-pobre infância. Mas juro que só comecei escutar Beatles, Bob Dylan e Roling Stones bem mais tarde, quase adulto. Até meus 10 anos o que escutava no rádio de meu vizinho eram as canções que formataram minha vida de cantor. Tenho uma vaga lembrança de estar cantando em cima de uma mesa bem criançinha e todos em volta me aplaudindo.
Afora isso, ficava eu em cima de um barranco de um tanque comunitário de lavar roupas, usado por toda vizinhança, ouvindo minha mãe e outras lavadeiras cantar as pérolas do rádio: Dalva de Oliveira, Francisco Alves, Emilinha, Vicente Celestino, Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa e outras tantas.
Sempre tive facilidade em decorar músicas, desde que cantadas. Se me pedirem para recitar a letra, tenho que fazer um esforço danado, mas basta começar a cantar que ela clareia em minha cabeça. Canto até hoje, baixinho, pra mim mesmo.
Afora esse repertório, escutava com atenção um casal de vizinhos meus, afinadíssimos, que à noite saiam para o pátio de casa e ensaiavam músicas populares do nosso Brasil e um punhado de músicas folclóricas e regionais, as quais às vezes apresentavam em um lugar chamado Salão azul, um enorme espaço construído em madeira estilo italiano com o pé direito de mais de três metros, e meia quadra de comprimento. Eu, menino, ficava ali ouvindo os ensaios do seu Otálio e Dona Nininha, que era como se chamavam, e às vezes um deles, percebendo, gritava pra mim: “sabe essa, Pylla? Canta junto então!”
Em casa, minha mãe, também cantora, fazia os reparos técnicos e correções em minhas performances vocais nas cantorias de brincadeira com minhas irmãs. E felizmente tive vários outros vizinhos também que cantavam e tocavam. Gaita e violões eram ouvidos noite adentro na vizinhança em grandes e saudosas serenatas.
Nenhuma em inglês, é claro. Até tinha umas italianas, alemãs, francesas e espanholas. O inglês mesmo só fui conhecer na cidade grande, e até hoje tenho dificuldade com essa língua. Aliás de inglês e americano só tenho afinidade e facilidade com o ritmo. A língua, jamais dominei.
Ainda na minha infância, vez ou outra um circo chegava na cidade. E foi no circo que, depois de ter visto Teixeirinha e Mary Terezinha, comecei a tomar gosto pelo canto. Principalmente as músicas cantadas de peito aberto. Decorava o solfejo sem saber ao certo o significado da letra e saía cantando feito um canarinho.
Numa dessas apareceu por lá, vindo das bandas de Julio de Castilhos, um artista já famoso, mas louco pra largar da profissão e agora exercendo a função de pedreiro, um sujeito chamado José. Ninguém sabia ao certo do porquê dele estar decidido a largar a vida de músico, depois de ter alcançado vôo em várias capitais brasileiras, incluindo São Paulo. Pois vou lhes contar o que pouca gente sabe.
Esse tal de José era na verdade oriundo lá das bandas de Lagoa Vermelha, nascido no município de Machadinho, e cantava desde o tempo de piá, enquanto peão de estância, em longas serenatas. Conta a lenda que um dia ele pediu dinheiro emprestado a um fazendeiro e se foi de mala e cuia pra São Paulo, onde dormiu em bancos de rodoviária e comia pão e banana pra sobreviver.
Foi nas noites de boemias que conheceu por lá Pedro Bento e Zé da Estrada, que lhe apresentaram um diretor da gravadora Continental, que lhe aconselharam colocar o nome de outros influentes do rádio em suas composições para gravar seu primeiro disco. Era pegar ou largar, e esse foi o primeiro de uma série de calotes que o José levou em suas andanças, que culminaram em seu paradeiro em uma simples e pequena cidade em troca de uma profissão honesta, pois estava ele agora de volta aos pagos depois de muitas noites mal-dormidas em bancos de praças.
Mas de quando em quando fazia shows com vários grupos que sabiam de seu talento. Uma de suas canções ele fez quando estava lá na minha pacata cidade: como todo seresteiro apaixonado, conheceu uma moçoila por lá e compôs “Mensagem de Saudades”, que viria ser um grande sucesso na sua curta, mas cheia de pedras, carreira artística. Aliás foi fazendo valetões pro saneamento básico de Tapera que ele apareceu. Pedras de Ferro de 50×50. Sim, Rock naquela língua que falei não conhecíamos.
Certa feita ele e um amigo, voltando de uma das tocatinas, tiveram problemas com a Kombi em que viajavam e pegaram uma carona com dois peões que discutiam fervorosamente, quando um deles, pra encerrar o bate-boca falou: “Para, Pedro”. Foi o que bastou pra junto com seu companheiro escreverem uma música que faz parte do tradicionalismo gaúcho.
Isso era 1967. Ele então voltou pra São Paulo e foi recusado por várias gravadoras, até que a Continental resolveu lançar em compacto simples seu Hit famoso. Por lá estava ele agora sendo ouvido em todas as rádios, juntamente com famosos como Brazilians Beatles e The Stranges.
Tornou-se então conhecido. Cantou até no Chacrinha. Triste sina, até Wilson Simonal ganhou dinheiro e comprou um Mustang com a gravação de “Para, Pedro”. Ele não. Nunca se apresentou fora do País. Gostava mesmo era do Rio Grande do Sul, “terra de gente boa”, dizia ele.
Tive o prazer de subir ao palco de um circo em troca de um bibelô e cantar ao lado dele uma música que até hoje canto chorando. Chama se Malagueña Salerosa. (Ouçam no You Tube essa linda canção, tem até mesmo uma versão feita pelo Avenged Sevenfold.)
Foi uma noite chuvosa de pouco público, mas guardo com carinho o seu aplauso em particular e seu canto imponente ao meu lado. Um tempo depois, meu Bibelô quebrou, era um elefantinho de porcelana. Porém, a imagem daquela noite jamais sairá de minha memória. José faleceu no auge de sua carreira e seu sucesso, quando a camioneta Veraneio que ele viajava, voltando de um show de um circo na cidade de Pelotas colidiu de frente com um ônibus. Seu nome artístico, JOSÉ MENDES.
Nem todo roqueiro é gaúcho, mas todo gaúcho é roqueiro. Acredito eu.
(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.
Tu veio aqui mas tu é muito feio
Não me facilite que eu te passo o reio
Tu veio aqui mas tu é muito feio
Não me facilite que eu te passo o reio.