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CRÔNICA. Pylla Kroth e os pais e filhos, que viram pais e avôs e bem mais, inclusive conflitos da nossa época

Pais e Filhos

Por PYLLA KROTH (*)

O filho de 15 anos estava levando muitas preocupações a um casal de amigos meus já cinqüentões. Era uma desculpa por noite pra chegar tarde e matar aula no outro dia. Fora o rendimento escolar que havia uns dois anos já não era mais o mesmo.

Em um dialogo com a mãe, que queria uma cobrança mais enérgica no garoto pensou: vamos por passo. E lá vieram as negociações e regras. Primeiro é a desculpa do jogo do seu time que não seria transmitido em canal aberto. Segundo, o cinema. Segunda-feira não é dia de sair de casa. Terça-feira o pai iria arrumar um trabalhinho extra depois de chegar do serviço e iria solicitar ajuda do piá em troca da mesada de final de semana. Sobrou a quarta-feira, então, que definitivamente era compreensível, pois o Pai foi o responsável pelo fanatismo no futebol, os dois eram do mesmo time.

Sexta-feira era dia de deixar o guri soltar os bichinhos, mas no sábado o menino estaria sempre de ressaca e não saia de seu quarto. Domingo não era permitido sair, pois segunda-feira é dia de ir pra escola. O cerco foi apertando. Pensou, pensou e decidiu aplicar um pouco mais na boa criação do seu filho homem, pois a outra filha, menina, era um doce, estudiosa e não queria saber de saídas, uma companhia formidável pro casal e por sinal era motivo de orgulho dos dois em reuniões familiares.

Mas esta quando saía levava todos cobres do velho e ainda a chave do carro. Isso tudo colocado na balança, o guri era mesmo é que tinha que ter um pouco mais de aplicação por parte do casal. Resolveu então, colocar no quarto do boludo uma televisão de 50 polegadas e mais um sinal de TV a cabo e um frigobar. Ufa, pensou o velho, acho que agora a coisa se ajeita!

Esses dias, depois de dois anos sem ir vê-los, resolvi fazer uma visitinha que estava devendo aos dois, a qual toda vez que os encontrava na rua era me cobrada com insistência. Resultado? Chego lá e encontro agora a família significativamente aumentada.  O que aconteceu? O guri começou a levar para seu quarto, agora suíte, a namoradinha e deu no que deu: um neto, precocemente e não planejado, e mais um monte de noites sem dormir pros vovôs, que depois de criar os filhos agora têm o neto pra tomar conta, pois os novinhos têm de acabar os estudos.

A pergunta que me faço é a seguinte: o pirralho tem uma tela de televisão enorme no quarto, cheio de canais de informação, inclusive com propagandas específicas com a recomendação constante de  “faça sexo seguro, use camisinha”. Será que deveria mudar o slogan para “faça filhos na idade certa”, além do evidente “não pegue alguma pereba à toa, além de evitar uma gravidez indesejada”?

Brasileiro é o Rei da “camisinha”, tem camisinha pra proteger o botijão de gás, o liquidificador, o sofá da sala etc… Mas esquecem de “encapar o bruxo”?  Não me entendam mal. Sou a favor da liberdade sexual e que todos tenham prazer na vida e gozem a vontade, mas daí, quem é que vai pagar por isso, além do próprio individuo? Claro que o que estou escrevendo aqui não serve pra todas famílias, embora sirva de reflexão sobre os dias atuais.

Esse casal de amigos, no desabafo comigo, ainda acrescentaram que dias atrás mandaram os filhos para rua para participar de uma manifestação popular em busca de assegurar o direito dos professores e deles mesmos de ensino gratuito nas escolas e universidades e sabem o que os filhos responderam? “Pô, pai, eu quero fazer faculdade em uma escola particular e esse negócio de ir as ruas fazer baderna é coisa de seu tempo, me poupe!” E ainda acrescentou: “quer que eu lhe denuncie ao Ministério da Educação por coação?” Que cacetada levou o velho ao ouvi-lo. E eu também, ao saber.

Isso tudo me faz lembrar de meu velho pai que nunca precisou me bater, mas por várias vezes pegou um pedaço de pau e veio pra cima de mim me dizendo: “repete só mais uma vez, repete”, “enquanto tu estiver embaixo do meu teto que vai dar as tintas aqui sou eu!”. E isso bastava pra compreendê-lo. A grosso modo, a ameaça de certa forma latente impunha o respeito, por mais que soubéssemos que ele não nos faria mal.

Às vezes me pergunto se seríamos nós da geração cinquentona que estaríamos virados em caretões depois de velhos, mesmo já tendo tido algum momento de “vida louca” no passado. E esta nova geração que aí está, será que terão de apanhar na rua, da vida, para aprender lutar pelos seus direitos? O “castigo” que não tiveram em casa terá de se reverter em humilhação na rua, por parte de outrem, para que desenvolva-se a disciplina que o ensinamento cuidadoso e carinhoso dos pais que nunca lhes levantaram a voz não conseguiu incutir? Porque no rumo que andam as coisas, os dias de vida mansa estão contados.

Eu nunca fui favorável a nenhum tipo de violência, não acho que boa criação seja fenômeno resultante da ameaça, do castigo, da vara, da punição física em qualquer dos seus aspectos, apenas para deixar isso bem claro. Por outro lado, me deixa chateado perceber essa geração do mimimi que nada os pais podem fazer, ficando reféns de tratar com luvas de pelica, superprotegendo às vezes por não saberem como lidar.

Eu cresci num sistema onde não apanhava nem levava castigo em casa, havia aquela ameaça ali da qual falei antes, claro, mas a mais eficaz de todas era o choque de realidade, não se tapava o sol com a peneira, os pais nos mostravam a realidade da vida, nos indicavam com exemplos bem reais de isso ou aquilo é o que acontece com quem faz isso ou aquilo, é o que lhe acontecerá na vida se agir desta ou daquela maneira.

Hoje em dia me parece que está faltando isso às pessoas, não esconder que o mundo pode até ser um lugar bom e bonito, mas que há também, não apenas em lugares escondidos mas no dia a dia, muita feiúra, dor e crueldade, inclusive muita desgraça e miséria gerada basicamente por má-criação, mau preparo, má educação, para que as crianças ao se tornarem adultos possam viver e enfrentar esta vida.

Fica a dica de um velho guerreiro da paz mundial de quem sou fã: “lute pelos teus direitos, senão tu não os merece” Pô, filhos! Se liguem! Ou não serão vocês que irão apagar as luzes, nem acendê-las, alguém atrás da porta é que fará por vocês, e não será bom. E pais, se liguem também, pois é para todos os efeitos, sem faltar nenhum, que os homens de amanhã serão as crianças de hoje, as quais, desde que o mundo é mundo, são, sim, inteiramente dependentes dos ensinamentos dos homens de hoje.

(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.

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