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CRÔNICA. Orlando Fonseca, o suicídio do empresário em Aracaju e fala do filho do Presidente da República

Segurança que falha

Por ORLANDO FONSECA (*)

No romance “Quarto fechado”, de Lya Luft, a protagonista, uma mãe desesperada velando um filho morto, em dado momento sentencia: “Um suicida está sempre acusando alguém”. A literatura e a realidade fazem um jogo de representações, a meu ver, cada vez mais intenso e perturbador.

Por vezes a ficção está à frente, com os autores criando seres, eventos e circunstâncias, os quais no mundo real precisamos de muita imaginação para vislumbrar. No entanto, e talvez porque os meios de comunicação progrediram vertiginosamente, a realidade nos surpreende com algo que nem a nossa imaginação pode entender a extensão de seu significado.

Lembrei daquela passagem da obra da escritora gaúcha, a propósito da notícia – bizarra, sem os componentes trágicos da circunstância – envolvendo também um gaúcho. Na quinta-feira passada, um empresário se matou durante evento com governador de Sergipe e ministro de Minas e Energia.

Circulou pelas redes sociais um vídeo (o perfil do governador no Instagram transmitia o evento ao vivo), em que se vê uma mesa ocupada por autoridades, e logo em seguida ao término da fala de uma delas, ouve-se o espocar seco de um tiro, e em seguida o celular que fazia a filmagem gira pelo auditório, em polvorosa, procurando o local do acontecido.

Pelas notícias, ficamos sabendo tratar-se de Sadi Gitz, um empresário do setor de cerâmica, que assistia – se é que o fazia, nos momentos que antecederam o seu ato tresloucado – à sessão de abertura do “Simpósio de Oportunidades – Novo Cenário da Cadeia do Gás Natural em Sergipe”.

Uma ironia, e daí a minha observação com a passagem literária, pois se não tinha a expectativa quanto à oportunidade de negócios, buscou o lugar para perpetrar o ato como indicação de algo que transcendia o seu desespero.

Nas notícias também circularam as considerações sobre mais uma falha da segurança. Com que facilidade uma pessoa adentra um evento oficial, em que está ali um membro do governo federal (o que exigiriam, por óbvio, protocolos com o staff também federal).

O filho do presidente da República – o qual, assim como vários de seu governo, é defensor da flexibilização do porte de arma – lamentou em um tuíte: “Mais uma falha de segurança. Seria bom a segurança do Presidente ficar mais atenta”, escreveu Carlos Bolsonaro.

Isso me parece, assim, sem maiores considerações, contraditório, pois se é para portar armas estas seriam usadas onde? E por um cidadão de bem? Ou empresários falidos seriam impedidos do porte e do uso? Este usou a arma contra si, mas, digamos que ele tenha perpetrado o ato insano e tresloucado em razão de seu descontentamento com a ordem econômica. E se em vez de atentar contra si, resolvesse atentar contra as autoridades?

Certamente, o filho do presidente se referia como “mais uma falha” na segurança, lembrando dos 39 quilos de cocaína, encontrados pela polícia espanhola, em uma aeronave da comitiva do seu pai, em viagem para o Japão. A família presidencial está envolvida, de qualquer modo com os aspectos desta tragédia, e não falo apenas no caso do suicida, mas também da conjuntura.

Não falo em culpa, mas envolvimento, comprometimento. A empresa de Gitz estava em processo de recuperação judicial desde fevereiro de 2018 e seguia em andamento no Tribunal de Justiça de Sergipe.

Esta é uma situação emblemática, em relação a um número expressivo dos empreendimentos no país (uns ainda na tentativa de recuperação não-judicial), pelo que o atual presidente se elegeu com a missão de recuperar.

No entanto, o que se vê só tem levado à desesperança, e isso não por um achismo deste atento cronista, mas é o que indicam os números das pesquisas de opinião de vários Institutos, nas últimas semanas. De modo que a falha não está apenas na segurança, é preciso fazer muito mais para que se reúnam esforços em favor da recuperação econômica e social e não para o desalento geral.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: a imagem que ilustra esta crônica (do empresário suicida e do evento de que ele participarva) é uma reprodução de internet.

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