CinemaCultura

É CINEMA. Bianca Zasso e ‘Democracia em vertigem’, o documentário e a política em um Brasil bem recente

Democracia ou morte

Por BIANCA ZASSO (*)

Mesmo os universos mais alucinantes trazem algo da alma que os criou. Um roteirista pode inventar um planeta, mas ainda assim fala da sua aldeia, seja utilizando metáforas ou trazendo para seus personagens característica de algum parente ou conhecido. Mas quando trata-se de um documentário, algumas coisas se agravam nesta situação. Expor as próprias dores e vivências não é uma tarefa fácil e o resultado pode ser falho em várias medidas.

Democracia em Vertigem, trabalho mais recente da documentarista Petra Costa, causou furor ao ser lançado na plataforma de streaming Netflix na mesma semana em que mensagens do ex-juiz e atual Ministro da Justiça, Sergio Moro, foram divulgadas pelo site The Intercept, colocando em jogo sua fama de herói da “guerra contra a corrupção”.

Coincidências à parte, não se pode negar que a notícia colaborou para quem o filme chamasse atenção até de quem não é espectador assíduo de documentários ou mesmo do cinema brasileiro.

Listado entre os melhores filmes do ano pelo jornal The New York Times, Democracia em Vertigem não é inovador em sua temática. Outros dois filmes, Excelentíssimos, de Douglas Duarte, e O Processo, de Maria Augusta Ramos, tratam do mesmo assunto: os acontecimentos que antecederam o impeachment de Dilma Rousseff.

A diferença é que a produção dirigida, roteirizada e narrada por Petra apresenta os fatos sob o viés de suas lembranças familiares e como cidadã. Estão lá a esperança dela e de seus pais, militantes da esquerda e perseguidos pela ditadura militar, de uma nova era no Brasil com a primeira eleição de Lula; o marco da primeira mulher presidente do Brasil e todo o burburinho para tirá-la do poder.

Se entrarmos na questão de lugar de fala, Petra Costa é uma mulher branca, de classe alta e com parte de sua família ligada à empresa Andrade Gutierrez, uma das investigadas no escândalo do Mensalão.

O público sabe disso por meio da fala da diretora, mas uma simples distração pode fazer com que passe em brancas nuvens. Petra não faz a autocrítica sobre sua condição de privilegiada e narra com uma voz lânguida, quase melancólica, a ameaça da democracia em seu país. Parece surpresa com os acontecimentos que presencia e, em nenhum momento, questiona suas posições ou mesmo as declarações criminosas de alguns políticos.

Leva a própria mãe, que foi presa durante a ditadura, para conversar com Dilma, mas não faz mais que citar a entrevista negada pelo senador Aécio Neves. E assim Democracia em Vertigem segue, reprisando muitas cenas que foram exibidas exaustivamente na televisão, intercaladas com longos planos dentro do Palácio da Alvorada. A trilha sonora carrega na emotividade, são ares operísticos para algo que mais parece uma guerra crua e suja.

Em determinado momento, estamos exaustos de palavras de ordem, imagens de manifestações e votos que falam em família e em Deus. A narração de Petra colabora para esse cansaço pelo excesso de poesia para expor coisas que já são dotadas de metáforas por si mesmas.

Parece que estamos diante do diário de uma adolescente vivendo sua primeira decepção com o mundo dos adultos, incrédula sobre as decisões tomada pelos governantes de sua terra que parecia encantada. Mesmo com todos esses problemas Democracia em Vertigem merece o sucesso que está tendo por apresentar ao mundo outras faces dos últimos anos políticos do Brasil.

Para um espectador estrangeiro, o filme cumpre sua função didática, apesar das frases melodramáticas. Já para quem acompanhou de perto, parece faltar algo, um mergulho maior da diretora-narradora em suas próprias convicções, uma revisão do peso da realidade e da sujeira da política que resultaram no país que estamos hoje.

Democracia em Vertigem registra um período sombrio, controverso e revelador da nossa história e, daqui algumas décadas, será conteúdo escolar. Esperamos que sob um olhar crítico e menos inocente que o de Petra e seu cinema-terapia.

Democracia em Vertigem

Ano: 2019

Direção: Petra Costa

Disponível na Plataforma Netflix

(*)  BIANCA ZASSO, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009.  Suas opiniões e críticas exclusivas estão disponíveis às quintas-feiras.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Um Comentário

  1. Descrição do filme no NYT: ‘Este documentário examina a politica brasileira- dois presidentes recentes em desgraça, o atual tendendo ao autoritarismo- do ponto de vista indignado da cineasta Petra Costa’. Ou seja, mais uma peça de propaganda com a qual não se perde tempo. Se um roteirista pode inventar um planeta, pode também inventar uma ‘narrativa’, óbvio. Obviamente também a esquerda americana também iria comprar a história.
    Noutro dia a BBC britânica apresentou um programa sobre a Amazônia. Entrevistaram um grupo de meio dúzia de indígenas, declaração: ‘Bolsonaro quer tomar nossas terras’. Cortaram para uns caboclos e entrevistaram uma mulher, declaração: ‘queria que me desse só um alqueire desta terra, não temos nada, não sei porque querem tanto mato’. Não se sabe s e alguém doutrinou o autóctone, ou se a cabocla é ou não laranja de um fazendeiro. Ou seja: mais uma bela peça de propaganda.
    Resumo da ópera é a repetição de algo que já se viu, um grupo de brasileiros ativamente prejudicando a imagem do país lá fora (com repercussões econômicas) para atingir um governo que na pior das hipóteses estará fora do poder em menos de 8 anos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo