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ARTIGO. 13 anos da Lei Maria da Penha. É protetiva, sim, mas há questões a resolver, escreve Débora Dias

13 anos da Lei Maria da Penha. Podemos comemorar?

Por DÉBORA DIAS (*)

As perguntas que não querem calar são: temos motivo a comemorar? A Lei Maria da Penha é eficaz? E se a lei não está sendo suficiente para combater a violência contra as mulheres, o que está faltando? Essas perguntas ficam automaticamente atreladas quando pensamos na Lei Maria da Penha e seus objetivos, quais sejam:  prevenção e coibição da violência doméstica e familiar contra mulheres, conforme consta no artigo primeiro. Entretanto, as respostas não são tão simples como pode parecer a uma primeira leitura, principalmente no que se refere à segunda pergunta. Vamos fazer uma análise rápida a esses questionamentos tentando compreender porque o Brasil é o 5º país no mundo que mais mata suas mulheres em razão do feminicídio.

É inegável que a lei Maria da Penha é um marco em termos de legislação protetiva às mulheres no que se refere à violência. Trabalhei como delegada de polícia em delegacia especializada à mulher, antes e depois da lei, e por isso digo que não temos como negar que foi uma grande evolução, principalmente no que se refere a conscientização da sociedade de um modo geral sobre esse grave problema, a visibilidade da questão da violência doméstica contra mulheres, a discussão sobre a violência de gênero. E, ainda, quanto aos reflexos jurídicos, a possibilidade de aplicação das medidas protetivas, dentre elas o afastamento do agressor, a essencial previsão de prisão preventiva em caso de descumprimento das medidas e, desde o ano passado, o crime por descumprimento de medida protetiva de urgência, inafiançável em sede policial.

Ouso dizer que, de cada 10 mulheres, em todo esse nosso imenso e desigual país, no mínimo nove sabem do que trata o diploma jurídico. A partir da lei, cada vez mais “em briga de marido e mulher” o Estado mete a colher sim, porque não estamos falando de relações interpessoais de casais, nem de relações familiares, estamos falando de violência. Tanto faz se essa ocorra na rua ou dentro de casa, a polícia deve agir; a violência se traduz em crimes e deve haver intervenção e punição.

Por outro lado, inevitável o questionamento no sentido de que se a lei está sendo efetiva da maneira como se apresenta. E novamente digo: a lei não está sendo aplicada em sua plenitude, não estão sendo efetivados todos os mandamentos nela dispostos, principalmente no que se refere a políticas de prevenção, sendo necessárias vontade política e mudança estrutural de uma cultura machista.

Há inúmeros dispositivos de prevenção que necessitam de decisão de nossos gestores políticos para serem efetivadas medidas públicas que trariam uma mudança a médio e longo prazo na questão da violência contra a mulher. Nesse sentido, traz o §1º, do artigo 1º, da lei: “§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Assim, a criação de políticas públicas é meio necessário para evitar toda forma de exploração e violência, mas elas são tão escassas, raras ou inexistentes. Ainda, nessa mesma linha, importa destacar como vital para uma transformação a educação. A educação é a base de tudo. Ela precisa ser transformadora, precisa desconstruir conceitos que objetificam e desmerecem a mulher como ser humano merecedor de direitos, direitos que devem ser respeitados.

Aliás, ainda, no texto da lei, no artigo 8º, dentre as medidas de prevenção, consta o inciso  IX: o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.”

Aqui está um dos caminhos para solução do problema. Vejo também a ausência de campanhas publicitárias sobre o problema, que deveriam tomar os horários nobres dos programas televisivos de nosso país, dando ênfase e destaque ao problema, apontando soluções, despertando conscientização, repercutindo, por fim, em denúncias.

O resultado dessa falta de ações articuladas de todos os entes federados (União, Estados, Municípios), como demanda a lei, não deixando de lembrar que o problema é complexo e que não basta somente a parte criminal ser efetivada, mas também a educação, saúde, trabalho, assistência social, habitação (Art.8º, III) e isso resulta em um número de feminicídios  assustador em nosso país. No Rio Grande do Sul, até julho desse ano, tivemos 58  feminicídios e 206 duzentas tentativas de feminicídios. A responsabilidade por evitar a morte dessas mulheres no é somente da polícia ou do sistema criminal, é de toda a sociedade.

No dia 29 de julho deste ano, em Belo Horizonte, MG, foi assassinada mais uma mulher, de 44 anos, e também seu filho, de 22, quando saiam de uma academia, pelo ex-namorado dela. Há imagens das câmeras da rua no momento do crime. Passados alguns dias, o investigado foi preso em razão de prisão preventiva.

Em entrevista à televisão, seu defensor disse em alto e cruel som: “o meu cliente é inocente, ele vai provar, inclusive a legitima defesa da honra” Legítima defesa da honra? Em pleno século XXI, um advogado tem a coragem de tentar ressuscitar a inescrupulosa tese de legitima defesa da honra? Isso é uma violência a todas nós, mulheres. Enquanto alguém se sentir autorizado a dizer tamanha imbecilidade, sinto que andamos para trás e não para frente.

Esse machismo estrutural vertente em nossa sociedade é que mata essas mulheres, consideradas objetos, coisas pertencentes a alguém, coisas que têm dono e não seres humanos. A violência e desigualdade de gênero são fomentadores da violencia contra a mulher.  Enquanto não mudarmos nossa sociedade, não vamos ter diminuição dos índices de violência contra a mulher, por mais que lutemos todos os dias contra ela, por mais que prendamos agressores. Precisamos de mais ou, melhor, de menos, de menos violência de gênero, de menos propagandas desrespeitosas que coloquem as mulheres como objetos ou que as excluam como consumidoras de carros, por exemplo, ou as incluam como consumidoras exclusivas de produtos de limpeza, etc. Porque tudo isso é violência de gênero e fomenta a violência contra as mulheres. O caminho para diminuição dos índices de violência contra as mulheres é tão simples e ao mesmo tempo tão complexo, mas é um só: RESPEITO.

 (*) Débora Dias é Diretora de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antônoma de Lisboa (UAL), em Portugal.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra este artigo é uma reprodução de internet. Foi retirada do “Canal Ciências Criminais” (AQUI) e, no original,, não consta a autoria.

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Um Comentário

  1. Concordo plenamente! Fui maltratada, humilhada, sofria violencia de varias formas por meu ex companheiro, era ingenua, ignorante, nāo conhecia as leis, nao sabia que existia Uma lei que poderia me proteger, entāo quando resolvi de Uma vez me separar e abandonar aquela desgraça de vida, procurei a delegacia da Andradas, nāo sabia que havia Uma específica para mulheres, entāo enfim quando consegui medida protetiva ele entrou com processo para ficar com as crianças eram 3, que sofriam as mesmas agreçoes que eu, a lei, os advogados, sei lá oque aconteceu aquele dia no forum nao sabia direito oque se passava, decidiram por mim sem me orientar, para eu assinar um acordo que ele abria a māo da guarda dos filhos se eu tirasse a denuncia contra ele!!! Absurdo!! Tantos anos sofrendo para quando eu tomei ciência que estava morrendo aos poucos me vem o fazem isso?? 11 anos se passaram, ele nāo pode mais me tocar, porém usa de métodos covardes para tornar a minha vida um Caos! Me arrependo amargamente de ter assinado aquele papel retirando a denuncia conforme Unica orientaçāo que recebi da defensoria de que era o melhor para se fazer! Existem sim! Acredito que existam muitas mulheres como eu, desorientadas a respeito e principalmente com medo! Muito medo!

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