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ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo e o que dizem os candidatos e esquecem, bem fácil, os agora eleitos

“Governar é assumir contradições”

Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)

O discurso político, em qualquer parte do mundo, pode ser dividido entre a perspectiva de um mundo ideal e as contradições apresentadas no mundo real. O primeiro pode ser construído a partir de uma base ideológica, princípios, convicções e, talvez, uma pitada de inocência, ou, ainda, por pura demagogia e pragmatismo. O segundo é o que se depara com o sistema que há séculos dita as mesmas regras. No último é que tomam forma as contradições.

Um exemplo pode ser visto na atuação de Eduardo Leite, nosso Governador. Durante a campanha eleitoral foi firme ao dizer que não usaria o valor arrecadado com a venda de patrimônio do estado para quitar despesas de custeio. Pois, no mundo real a contradição não demora a surgir. No caso, toma forma com venda de ações do Banrisul, num montante previsto de R$ 2,2 bilhões, e a já anunciada destinação dos recursos para o custeio da máquina pública.

Eduardo Leite foi muito pragmático ao recompor seu discurso de campanha –  aquele do mundo ideal – ao firmar que: “ Passivo é passado. Custeio é presente. O custeio do passado, como virou passivo, vai ser pago”.  Simples assim.

Mas as contradições não param. No período eleitoral, o jovem candidato apresentou-se como alguém que teria uma gestão inovadora, na qual o diálogo seria a base de toda a ação governamental. Pois bem, na última semana, ao apresentar a proposta orçamentária para 2020, destinou a cada um dos 55 parlamentares a discricionariedade de apresentar emendas na ordem de R$ 1 milhão. Achei um pouco caro esse diálogo.

Enfim, a atitude do governador me remeteu à afirmação do hermeneuta Lênio Streck, “A nova política é igual a velha política, só que é nova”.

Mas contradições não são uma prerrogativa dos agentes políticos nacionais. A assertiva pode ser confirmada com a atuação de José Maria Gonzalez Santos, atual prefeito da cidade portuária de Cádis, sudoeste da Espanha.

Gonzalez é um político de esquerda, pacifista e defensor dos direitos humanos. No ano de 2015, durante uma manifestação a favor da paz, realizada em Paris, o jovem líder espanhol defendeu que era preciso cortar a relação assimétrica de financiamentos e investimentos nos países amigos do Estado Islâmico.

Contudo, ao assumir o comando da prefeitura de Cádiz, Gonzalez se deparou com a assinatura de um contrato assinado pelo governo espanhol para a construção de corvetas “Avante” para a Arábia Saudita. E apoiou a iniciativa. As corvetas, construídas no estaleiro da cidade de Cádiz, são adaptados para atender às exigências do desenvolvimento do ecossistema de defesa daquele país. Ao ser questionado sobre o que teria mudado em relação ao seu discurso de 2015, Gonzalez foi muito pragmático ao dizer que: “O discurso está incompleto se não leva em conta a situação real” (**).

Retornando ao solo brasileiro, uma das contradições mais emblemáticas a corroborar a diferença entre o discurso e a prática, se deu pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, em comício realizado na região do nordeste brasileiro, no ano de 2018. A sua afirmação foi uma perfeita sinfonia aos ouvidos de quem era contra a reforma da previdência proposta por Michel Temer. Ele defendeu de forma peremptória: “querer aprovar uma reforma com 65 anos é, no mínimo, uma falta de humanidade”. Na região nordestina a expectativa de vida é de 70 anos.

A roda do mundo gira e a atual reforma da previdência, aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, encaminhada pelo agora Presidente Bolsonaro, é considerada ainda mais dura que a do governo anterior. E, não tem jeito, Bolsonaro aprovou a aposentadoria aos 65 anos de idade.

Como disse Gonzalez, “governar é assumir contradições” e, no mundo real, “o poder não te modifica, só revela quem realmente você é”.   O fato, diferente do que ocorreu na cidade de Cádiz, é que a contradição do governante nem sempre vem beneficiar àqueles que lhe confiaram o destino de suas vidas. E a cada novo período, surgem novas contradições.

(*) MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestrando em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

(**) A Arábia Saudita lidera um bloqueio aéreo e naval ao Iêmen, situação em que ocasiona a morte de vários civis e também resulta em uma crise humanitária com a morte de muitos civis em bombardeios e por falta de alimento.  E a declaração de Gonzáles pode ser conferida na série Salvados (episódio 9, na 2ª temporada), na plataforma de streaming Netflix.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A foto que ilustra este artigo é uma reprodução da obra Abaporu, de Tarsila do Amaral. Produzida em 1928, é considerada uma das principais obras do período antropofágico do movimento modernista no Brasil.

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6 Comentários

  1. Faltou um detalhe. Iêmen vive uma guerra civil (mais uma). Um lado apoiado pelos sauditas. Outro apoiado pelos iranianos. Que também são antiamericanos. Obvio que é um detalhe ‘não importante’ que ‘pode ser omitido’.

  2. Se a esquerda precisa distorcer os fatos para ter argumentos é porque não tem argumentos. Simples assim. Declaração de B17 é verdadeira, porém foi feita em Teresina em 2017 logo depois de Temer apresentar a sua proposta de reforma.
    Reforma da previdência que tramita no Congresso não é preocupação com o futuro do Brasil, é estratégia de sobrevivência. O sistema não aguentaria uma crise fiscal, a Constituição de 88 já está em cima do telhado e não é de hoje.

  3. De novo a ideologia. Governo saudita dificilmente apoiaria o Daesh, governo nenhum apoia o que pode lhe derrubar. Algum apoio saiu daquele país, é bem provável. Busílis? Antiamericanismo. Sauditas são aliados dos americanos. Esquerda apoia os palestinos porque combatem Israel, outro aliado americano.

  4. Gonzalez politico de esquerda. Em 1983 estatizou um banco (Rumasa) que estava quebrado para proteger 60 mil empregos e o dinheiro dos correntistas. Tinha prometido criar 800 mil empregos antes da eleição, mexeu na indústria metalúrgica, o que acarretou desemprego. Foi mexer na indústria portuária que estava endividada, portuários entraram em greve. Foi mexer na previdência (para aumentar os gastos!) e levou uma greve geral no lombo. Ao mesmo tempo começou a privatizar 200 estatais e afiliadas (dinheiro tinha que sair de algum lugar). Defendeu ainda a permanência da Espanha na OTAN.
    Conclusão é que deve ter aprendido alguma coisa. Mas não sejamos hipócritas, as naus espanholas se utilizadas podem até matar alguém. RS exporta fumo que certamente vai matar gente, é um problema social, não desenvolveram uma alternativa econômica para os produtores. Ninguém fala muito no assunto, é um vespeiro eleitoral até mesmo para os defensores de direitos humanos.

  5. Lênio Streck, o humilde, ex-candidato à prefeitura de Santa Cruz do Sul em 1982 pelo Partido dos Trabalhadores. Teve pouco mais de 800 votos. Não existe ex-petista antes que alguém diga que foi há muito tempo atrás. O hermeneuta autodeclarou-se ‘constitucionalista’ recentemente (tem até obra em conjunto com Gilmar Mendes), nenhum problema, Zé de Abreu autodeclarou-se presidente do país.
    Quanto a Dudu Milk era pedra cantada, só não viu quem não quis. Alás, tucano Dória pegou a onda da novidade e depois baixou quase todo o ministério Temer para governar São Paulo. Não significa que não existam novas práticas, alguma coisa o partido Novo faz diferente. Mudança total no sistema também era muito otimismo, existe um forte componente cultural, não existe maneira de evitar a contaminação dos novos pelos antigos.

  6. Pois então lembro-me de ter mencionado aqui após o resultado das eleições para governador, que o povo elegeu um sujeito alheio as suas responsabilidades porém jovem e belo, está aí o resultado e consequência disso.
    Quanto ao presidente um desastre maior ainda…
    Lembrando que não tenho partido político , não defendo esse ou aquele defendo o meu país e o futuro do meu filho ainda criança.

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