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É CINEMA. Bianca Zasso e ‘Ad Astra’, de James Gray, um dos lançamentos mais surpreendentes deste ano

Tudo que o céu permite

Por BIANCA ZASSO (*)

Ficção científica: ame ou deixe-a. Não importa se na literatura ou no cinema este é um gênero que divide opiniões e, poucas vezes, deixou seus admiradores realmente satisfeitos diante da tela grande. O “erro” da maioria dos que se arriscam nesse universo é acreditar que efeitos especiais e tramas mirabolantes vislumbrando um futuro repleto de viagens interplanetárias bastam.

No fundo, a boa ficção científica é criativa na sua forma, mas clichê no seu conteúdo, pois não há nada mais clichê que os sentimentos, quase imutáveis desde os primórdios da humanidade. O diretor James Gray, um sábio contador de histórias demasiado humanas por meio das imagens, foi fiel ao seu estilo mesmo em uma produção como Ad Astra – Rumo às Estrelas, em cartaz nos cinemas da cidade.

Não que seja um filme enganoso, longe disso. Só quem já se aventurou por clássicos como 2001-Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, ou Alien – O Oitavo Passageiro, de Ridley Scott, sabe que, entre um computador assassino e um monstro alienígena, existem as neuras e os medos dos homens.

A presença de Brad Pitt, que também assina a produção do longa, fez muitos pensarem, logo nos primeiros anúncios do filme, em algo mais preocupado com uma reprodução fiel da vida no espaço com toques de melodrama bem ao gosto do espectador médio, já que o protagonista, Roy, é um astronauta enviado à Marte para resgatar o pai, uma lenda viva da sua profissão.

Uma breve lida na sinopse, aliás, nos dá a sensação de algo com aroma de Interestelar, de Christopher Nolan. Mas com Gray a coisa é diferente. Nem o amor irá salvar o homem da crise. E é isso que faz de Ad Astra um dos lançamentos mais surpreendentes do ano.

Desde o primeiro plano, um deleite para os amantes do espaço, o filme nos faz embarcar em uma jornada que acontece todos os dias, em diferentes intensidades. A diferença é que Gray leva o homem em crise para outro planeta e prova que, mesmo distante do que entendemos como “nosso planeta”, certas sensações desconfortáveis não nos abandonam.

Roy é um astronauta. E só. Escolheu a profissão para se aproximar do próprio pai, que partiu quando ele tinha 16 anos em busca de vida inteligente fora da Terra e nunca mais voltou. A possibilidade de reencontrá-lo não é o que ativa o furacão de dilemas do personagem.

Ele já surge na história carregando a fama de distante, com a sombra de um relacionamento indo e voltando, dependendo de sua fragilidade. Afirma ter abdicado da convivência com outras pessoas para poder se dedicar melhor ao seu trabalho. A doce ilusão de que, quanto mais sozinhos, mais fácil de resolver nossos problemas. Seria a síndrome do astronauta, flutuando no espaço sem companhia?

Pitt consegue segurar bem nas cenas mais densas, mas talvez um ator com mais familiaridade com a proposta de drama do diretor desse ao longa uma camada extra de emoção. Já a breve participação de Donald Sutherland poderia ter sido melhor aproveitada, já que os poucos diálogos entre Pitt e o veterano canadense conseguem a proeza de ressoarem em nossas cabeças por toda a exibição.

Da trilha sonora, que surge sem exageros, apesar de sua força, até a direção de arte, criando cidades nos espaço seguindo os moldes das nossas bem conhecidas moradias terrenas, Ad Astra é um deslumbre para os olhos, mas que não esquece de nos apertar o peito e fazer pensar sobre como, astronautas ou não, fugimos de nossos próprios mundos em busca de paz e só encontramos mais dor, mais dúvidas, mais medo.

Como experiência cinematográfica, merece ser vivido na sala de cinema, para possibilitar a imersão na imensidão do sistema solar. Mas se a preguiça falar mais alto e o prezado leitor decidir esperar para assistir Ad Astra no conforto do lar, fica o aviso: numa tela menor, a percepção dos olhos tristes de Roy, mantidos diante do espectador com firmeza pela câmera de James Gray, podem causar estragos de outro mundo na sua alma. Mas é só um filme de foguetes e homens no espaço, não é mesmo?

(*) BIANCA ZASSO, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009.  Suas opiniões e críticas exclusivas estão disponíveis às quintas-feiras.

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Um Comentário

  1. Sempre interessante ver o que passa na cabeça das(os) criticas(os). A diferença da opinião dos ‘paisanos’ é muito grande, vide as bilheterias.
    Ficção cientifica tem que ter ciência.
    Sinopse lembra de longe o filme ‘Event Horizon’. Não acredito que lembre ‘Interstellar’ (filme de 2014) cujo consultor cientifico ganhou o Nobel de física em 2017. Este último tem mais a ver, mesmo que de longe, com ‘Arrival’.
    James Gray concorreu muitas vezes em Cannes apesar de não ter muitos filmes. Não é bom sinal.
    Uma Odisseia no Espaço é um poderoso suporífero, cenas intermináveis de passeios e manobras espaciais ao som de musica clássica.
    Filme, pela sinopse, faz uma conclusão impossível e traz uma mensagem bobinha. Tem algo de ‘Gravity’ e como o filme de Sandra Bullock vai para a importante lista ‘filmes que não verei’.

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