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ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo, a Bolívia e o significado dos anos do índio Presidente da República

Um sentido de alteridade

Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)

No último domingo, Evo Morales, após atender a orientação da OEA e convocar novas eleições gerais, inclusive com uma nova junta eleitoral, foi obrigado pelas Forças Armadas a renunciar à presidência da Bolívia. Acompanharam seu ato dirigentes do governo, os presidentes do Senado e da Câmara de Deputados.

Evo Morales, ao contrário do que setores conservadores pregam, não tem o mesmo ímpeto ditatorial de Nicolas Maduro. Evo, primeiro descendente dos povos originários a chegar à Presidência da República, é um líder de esquerda, socialista, que tem uma linha de atuação possível de ser comparada a de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, com permanente diálogo e respeito às instituições.

Em seu governo implantou o que foi chamado de “economia plural”, a qual tem a participação tanto de setores tradicionais, quanto de setores alijados, como as pequenas e médias empresas e os povos indígenas. É um modelo misto, com forte presença do Estado no controle dos recursos naturais e na transferência de renda, sem deixar de promover a atuação de empresas multinacionais.

As reformas promovidas no campo da economia proporcionam uma efetiva melhora na qualidade de vida da população num país que é considerado um dos mais pobres do continente. Para se ter uma ideia dos avanços, de acordo com o Banco Mundial, o percentual da população abaixo da linha da pobreza diminuiu de 63% para 35% desde a chegada de Evo Morales à presidência.

O Brasil é seu principal parceiro comercial para exportações e importações e a presença de Evo na posse de Bolsonaro, mesmo com as evidentes diferenças ideológicas, demonstra a sua reponsabilidade na defesa dos interesses da Bolívia. Fato facilmente constatado quando, conforme projeções do FMI, o país terá um avanço de 4% do PIB no ano de 2019, com a expectativa de ser o maior crescimento da economia de um país na América Latina.

Os avanços políticos e sociais ocorreram a partir da reforma constitucional, promovida no ano de 2009. O texto, submetido a referendo popular, instituiu um Estado Plurinacional e intercultural, no qual são reconhecidos regimes diferenciados de justiça, autoridade, conhecimento e propriedade para as comunidades indígenas e camponesas.

Nas relações internacionais, a Bolívia é signatária dos principais tratados de direitos humanos e os internalizou em seu ordenamento. Ao aceitar a orientação da OEA, Evo deu mais uma demonstração da sua responsabilidade com a Constituição que promulgou, e com o povo boliviano. O próprio afirmou que, para evitar uma situação ainda mais grave de perseguição e violações de direitos aos seus partidários, optou por renunciar.

A convocação de novas eleições pode ser interpretada como o reconhecimento a uma fraude ocorrida no pleito que conferiu a Evo a reeleição em primeiro turno. Pode, ainda, ser o reconhecimento da legitimidade das organizações internacionais nas relações com os países e o respeito aos tratados firmados. Ou também o cuidado de Evo com as conquistas do povo boliviano e o legado de que é possível promover crescimento econômico com justiça social, onde não somente poucos espoliadores fiquem ainda mais ricos, mas que as pessoas que produzem essa riqueza possam também partilhar do seu fruto.

Evo Morales reconheceu a necessidade de novas eleições.Mais que isso, aceitou. Sofreu um golpe de estado. A saída das Forças Armadas da caserna não pode ser aceita por qualquer pessoa que respeite o Estado de Direito e a Democracia como princípios reitores da soberania das nações. É preciso que a democracia seja restabelecida na Bolívia.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestrando em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto é a reprodução de uma pintura do artista boliviano Roberto Mamani Mamani (sim, com dois Mamani). Considerado o maior melhor pintor do país.  E pode ser encontrada também AQUI

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Um Comentário

  1. Para começo de conversa os problemas da Bolívia são dos bolivianos. Segundo aspecto, se o primeiro produto importado de lá é o gás, quase com certeza o segundo é a cocaína.
    Terceiro aspecto, não sei porque cargas d’agua as pessoas omitem, distorcem e fazem de tudo com informações que são facilmente verificáveis.
    Evo Morales foi eleito e tomou posse em 2006. Aproveitando a correlação de forças conseguiu que fosse elaborada uma nova constituição para o pais dele. A dita cuja foi aprovada em 2009. Um dos artigos da carta dizia que a reeleição para presidente só poderia acontecer por mais um termo, ou seja, dava direito a dois mandatos consecutivos. Evo foi reeleito para um terceiro mandato com a desculpa de que o que tinha acontecido antes da promulgação da nova carta ‘não valia’. Chega o tempo de nova eleição presidencial. Sujeito quer concorrer a um quarto termo. Faz plebiscito e perde. Não deveria concorrer. Aciona o judiciário (aparelhado, óbvio) e o mesmo decide que a limitação do numero de mandatos ‘fere os direitos humanos’ do candidato (não sei de onde tiraram isto, alás, poder originário é coisa da Globo).
    Vem o pleito. Expectativa é de segundo turno. Ocorre uma confusão de eleição e reeleição em primeiro turno. Pais entra em crise institucional. Evo renuncia. Pega um avião para ir para o exílio no México. Avião foi parar no Paraguai (que pela logica não é caminho). Fartamente noticiado, dois carros fortes ‘abasteceram’ o avião por lá. Espera-se os novos capítulos.
    Forças Armadas. Não se corromperam como no caso venezuelano. Numa analogia futebolística é mais fácil trocar o técnico do que todo o elenco de jogadores.

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