Quando o carnaval chegar…
Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)
Toritama é uma pequena cidade do agreste pernambucano; tem uma população estimada em mais de 45 mil pessoas. Com dificuldade na atividade agrícola e pecuária, muito pelo desfavorecimento do solo e a presença de apenas um rio, os moradores buscaram alternativas de sobrevivência e o município é hoje um grande polo de confecção de jeans.
A produção e confecção de mais de 20 milhões de peças/ano alçou a cidade à condição de “Capital Nacional do Jeans”. Atualmente, é responsável por um quinto de toda a produção brasileira do produto. Conforme dados da prefeitura, a renda média de cada trabalhador chega a 1,4 salários mínimos.
O grande incentivo para toda essa dedicação ao labor, segundo os trabalhadores, é o fato de desenvolverem suas atividades por conta própria, sem “patrão”. Assim, a cada dia cresce mais o número de famílias que se dedicam à confecção em fábricas de fundo de quintal. As pessoas desenvolvem um trabalho repetitivo recortando, costurando, tingindo, e pregando zíperes. Os espaços onde estão alocadas as máquinas, denominados “facções”, funcionam em suas próprias residências. Há também fábricas de maior porte.
A palavra “produção” é o mantra corrente entre as pessoas, que chegam a trabalhar até 14 horas por dia. Não há carteira assinada, nem direitos trabalhistas. Você produz, você recebe. No documentário disposto no canal de streaming Netflix, “Estou Me guardando para Quando o Carnaval Chegar”, uma trabalhadora relata: “se você fizer 100 bocas de bolso, a 10 centavos cada, você ganha R$ 10,00. Se fizer 1.000 bocas de bolso, você ganha R$ 100,00”. Não fica claro se o material empregado para a confecção das peças é pago pelos próprios trabalhadores ou pela indústria do jeans.
Com a dedicação, em tempo integral, ao labor no quintal de casa, não há tempo para outras atividades. É preciso produzir, é preciso garantir a renda mensal. A cidade respira e transpira confecção de jeans. Não há opções de lazer. É como uma outra trabalhadora acentua: “Toritama é assim, trabalho”.
Essa afirmação me levou a lembrar do conceito criado por Hannah Arendt, de “animal laborans”. O conceito é vinculado ao atendimento das necessidades vitais do homem, em que, na modernidade, resta evidenciada uma emancipação do trabalho, empregado inteiramente ao consumo. Esse contexto, segundo Gabriela Puente, leva o Ser humano “a uma atividade que corresponde à experiência da não mundanidade, ou alienação do mundo, sendo assim, excluído da atuação política, em virtude do ônus da vida biológica”.
A rotina em Toritama é extenuante. Os trabalhadores não reclamam. O silêncio nas ruas somente é interrompido pelo barulho das máquinas de costura. O diretor do documentário, Marcelo Gomes, não chega a tomar partido da situação de forma explícita, mas, em uma entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, se faz uma pergunta: “ […] essa gente trabalha para viver, ou vive para trabalhar? ”
A única exceção na rotina laboral da cidade é quando chega o carnaval. O caminho a ser perseguido é o do litoral pernambucano. Pouco antes dos festejos, as pessoas vendem todo tipo de bem móvel que puderem dispor para ter dinheiro e poder brincar o carnaval na praia. Geladeiras, televisores, movéis, e o que mais puder ser vendido, é transformado em dinheiro para ser gasto na folia.
A cidade fica deserta, lembrando tempos do início de sua formação. Os moradores não se importam em se desfazer de seus bens, pois, como uma trabalhadora disse, “ depois eu compro de novo”. Preservam as máquinas de costura, pois é seu principal capital. E buscam dias de felicidade em meio à folia que só podem ter no carnaval, onde serão, finalmente, livres.
Depois recebem a chegada das chuvas, que sempre acontece após o carnaval. Toritama volta ao seu ritmo normal, com o barulho das máquinas de costura. E se guarda para quando o carnaval chegar.
(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: a imagem é uma obra de grafite da artista Karina Agra e junto com outros grafiteiros formaram a base de decoração do carnaval em Recife, no ano de 2017 (AQUI, no original)
Qual a alternativa? Se não fizerem algum trabalhador na Asia fará. Provavelmente em condições piores. E eles ficariam sem trabalho e sem remuneração. A resposta mais comum é ‘o Estado mimimi’. Nada que o Estado põe a mão funciona direito. Culpa dos marcianos, não dos servidores públicos. Vai piorar, a India deve começar a competir sério com a China. Efeitos a serem determinados.