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ARTIGO. Ricardo Ritzel e as cinco tumbas do general maragato da Revolução de 1893, Gumersindo Saraiva

Gumersindo Saraiva e seu Estado Maior. Ele é considerado o mair importante dos generais maragatos na Revolução Federalista de 1893

As cinco tumbas de Gumersindo Saraiva

Por RICARDO RITZEL (*)

Está história começa exatamente no dia 10 de agosto de 1894. Era o décimo oitavo mês da mais sanguinária revolução brasileira, a “Revolução Federalista de 1893”, já com mais de 10 mil mortos e o mesmo número de refugiados e exilados.

Depois de quase três mil quilômetros percorridos entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, Gumersindo Saraiva chega ao início da manhã na grande coxilha do Carovi, na região das Missões, e logo une sua coluna com a de Prestes Guimarães. Uma terceira tropa rebelde, a do general Dinarte Dorneles, é esperada para o início da tarde daquele mesmo dia. Juntas, as três colunas revolucionárias formam uma força com quase seis mil guerrilheiros.

O objetivo era de dar combate a duas forças legalistas que o perseguiam de perto e implacavelmente. A primeira, vinda do Planalto Médio gaúcho, era a famosa Divisão do Norte comandada pelo general Francisco Rodrigues de Lima, encorpada com as milícias cruz-altenses de Pinheiro Machado e Firmino de Paula, totalizando cerca de três mil homens.

A outra, vinda de Santa Maria, com aproximados dois mil militares, todos descansados, armados e bem municiados, trazendo a cavalaria da Brigada Militar comandada pelo experiente coronel Fabrício Pilar e um regimento de infantaria cearense do Exército brasileiro ainda “virgem” em combate.

E, de tão próximos nesta perseguição, a vanguarda da tropa castilhista vinda da Boca do Monte vinha tiroteando e tendo rápidas escaramuças com a retaguarda do general Dorneles nos últimos três dias.

Para sorte dos revolucionários, nesta mesma hora, a Divisão do Norte não conseguiu ultrapassar o Rio Nhacapetum devido às cheias causadas pelas fortes chuvas que caíram no Rio Grande do Sul por aqueles dias, atrasando sua chegada aos campos do Carovi em 24 horas.

Gumersindo, brilhante estrategista e exímio tático, já tinha seu plano de combate. Não iria deixar as colunas inimigas se reunirem, dando combate, primeiro, para a comandada por Fabricio Pillar, com total superioridade humana, estratégica e de armamento. E, depois de um dia, fazer uma batalha decisiva com a Divisão do Norte com vantagem total em todos os quesitos militares.

A ideia era atrair a tropa de Pillar e o regimento cearense para coxilha e colocá-las entre quatro linhas de atiradores. Duas de cada lado, escondidas nos capões do Carovi. Quando inimigo chegasse a este local, também atacá-lo de frente com a lendária e violentíssima carga de cavalaria comandada por Aparício Saraiva e, pela retaguarda e flanco direito, com os cavaleiros do general Dornelles e Prestes Guimarães. Uma arapuca mortal para os castilhistas.

Ângelo Dourado, médico da coluna Saraiva e grande amigo do general, deixou escrito para posteridade em seu livro, “Voluntários do Martírio”, que, neste momento da peleia, o general lhe confessou os próximos passos da tropa rebelde, em caso de vitória nos dois combates planejados: “Descansar por um dia com muita carne gorda e “aire libre” e, a seguir, rapidamente se deslocar para Santa Maria da Boca do Monte, tomá-la, destruindo toda a comunicação rápida por telégrafo com Porto Alegre, assim como causar avarias significativas na ferrovia que liga esta cidade com a capital do Estado. Depois, se dirigir tranquilamente para o Uruguai, se rearmar, se remuniciar, trocar a cavalhada cansada e voltar para o Rio Grande para manter viva a revolução”.

Monumento marca o local exato onde Saraiva foi morto pelos atiradores do cel Bento Porto, em Carovi, hoje Município de Capão do Cipó

A MORTE DO GENERAL

E tudo começou como o líder revolucionário havia planejado. As tropas maragatas se posicionaram nos principais pontos estratégicos do local e, quando a vanguarda de Pillar chegou, o general Dornelles fez a primeira carga de cavalaria destroçando a vanguarda legalista.

Quando o grosso da coluna vinda de Santa Maria se aproximou do local, o profundo senso estratégico do coronel brigadiano alertou para a armadilha armada pelo general Saraiva e parou.

Nesta altura do combate, seguindo seu ímpeto irresistível de lutar, o coronel Aparício Saraiva se dirigiu ao alto da coxilha missioneira, onde estavam Gumersindo, seu ajudante direto, major Pianelli, e o clarim de sua coluna, pedindo para dar as “boas vindas” aos castilhistas e atraí-los para o centro da armadilha maragata.

Gumersindo permitiu a segunda carga liderada por seu irmão uruguaio e posicionou-se para assistir a refrega.

Porém, exatamente neste momento, o coronel da Brigada Militar, Bento Porto, infiltrou-se protegido pelas árvores do capão no flanco esquerdo da posição de Saraiva, acompanhado por atiradores de elite, chegando a menos de 300 metros do líder revolucionário.

Entre eles, um prisioneiro da retaguarda rebelde, devidamente maneado, a espera de um “carinhoso” interrogatório para revelar as posições e números da tropa, armamento e estratégia dos Federalistas.

Este prisioneiro, ao ver Gumersindo Saraiva a poucos metros de onde estava, nervoso e emocionado, não conseguiu segurar a sua admiração pelo caudilho “doble chapa” e deixou escapar uma exclamação reveladora em portunhol: “ Mi general…mi general…te vás a morrir, pica-pau de merda!”

Bento Porto compreendeu rapidamente que estava a poucos metros do chefe maior da revolução e não hesitou. Rapidamente deu a ordem de tiro de pontaria: “Fogo no de tordilho…fogo no de tordilho!!!”, fazendo seus homens disparem seus recém adquiridos rifles belgas Comblaim, com alcance muito superior aos 200 metros atingidos pelo armamento até então usados pelas tropas do governo.

A fuzilaria matou no ato o clarim maragato e atingiu dois tiros no general rebelde. Um no braço direito e outro, mortalmente, no pulmão esquerdo de Saraiva. Eram exatamente 16 horas e 30 minutos daquele dia fatídico para os revolucionários gaúchos.

Levado para junto de seu Estado-Maior, atrás da Coxilha do Carovi, e constatada a ferida mortal, Gumersindo passa sua última ordem em espanhol: “Que organizem la marcha para la frontera. Torquato em la retaguardia. Apáricio, tenga mucho cuidado com su lado izquirdo”.

A morte iminente de Gumersindo atingiu em cheio toda a tropa rebelde. Logo, ainda no início da noite, soldados maragatos desertaram pelos campos missioneiros em estado de choque ou completamente desiludidos com a perda de seu chefe maior.

O general Gumersindo Saraiva morreu, logo depois, carregado pelo seu Estado-Maior em uma maca improvisada quando passava entre os chapadões da Estância Santiago, em Bossoroca. Mesma propriedade que abriga desde o século XVII os restos mortais até hoje ainda não encontrados de Sepé Tiaraju, o grande chefe militar guarani durante a (des)ocupação dos sete povos das Missões.

Prestes Guimarães e Dornelles comandaram uma fuga rápida para a Argentina pelo Passo dos Garuchos com 2.500 combatentes.

Conta a tradição oral missioneira que uma figueira nasceu, cresceu e abrigou a sepultura onde Gumersindo Saraiva foi enterrado duas vezes no Cemitério dos Capuchinhos de Itacurubi. Ela está lá até hoje

Aparício, pela esquerda, em uma ação ousada e estratégica com cerca de 800 cavaleiros, voltou para Cruz Alta, tomou a cidade, requisitou alimentos e cavalos descansados e rapidamente se embrenhou nas matas do Alto Uruguai para entrar sem incômodos na Argentina pela Província de Missiones.

Este golpe tático fez que a maior parte da tropa legalista deixasse a região missioneira e voltasse para o Planalto Médio gaúcho, facilitando a fuga dos rebeldes.

Enquanto isto, o Estado-Maior federalista levava o corpo de seu general por um percurso de 55 quilômetros entre estâncias e propriedades rurais dos, hoje, Municípios de Capão do Cipó, Bossoroca e Itacurubi.

OS CINCO SEPULTAMENTOS

O primeiro sepultamento de Gumersindo Saraiva foi feito por seus companheiros de armas no amanhecer do dia 11 de agosto de 1894 no Cemitério Santo Antônio dos Capuchinhos, de Itacurubi.

Vinte e quatro horas depois, no dia 12, seu corpo foi retirado da sepultura pela vanguarda legalista, teve cortadas suas orelhas e barba e foi colocado nu na beira da estrada para soldadesca temerosa tivesse consciência absoluta de sua morte. Alguns chutavam o seu corpo para terem certeza de que não estava vivo.

Suas orelhas ficaram como troféu de guerra do general Rodrigues e sua espada com o então coronel Firmino de Paula.

Novamente foi sepultado na mesma tumba pela proprietária das terras onde até hoje está o Cemitério dos Capuchinhos, a viúva Apolinária Cardoso de Souza.

Dois dias depois, quando chega o grosso da Divisão do Norte, Dona Apolinária foi novamente ameaçada de tortura e morte para revelar onde estava o cadáver e de novo seus restos mortais são desenterrados, quando cortam sua cabeça e a enviam ao governador do Estado, com ordens expressas de deixar os restos mortais do general apodrecendo na beira da estrada.

Mais uma vez Apolinária desobedece as ordens dos legalistas, protege com arbustos e galhos de espinhos o corpo do rebelde e, alguns dias depois, recolhe o que sobrou do cadáver. Só que desta vez, o sepulta em uma árvore oca de um capão distante da sede da Estância Velha e passa a perguntar dos restos do líder militar federalista para vizinhos e conhecidos para não sofrer as represálias castilhistas.

Passados três anos, em 1897, a pedido expresso do general Aparício Saraiva e com o consentimento do presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Julio de Castilhos, uma comitiva uruguaia foi resgatar seus restos mortais nas Missões gaúchas e o sepultou pela quarta vez em Santa Clara del Olimar, no Departamento de Cerro Largo, Uruguai, onde Gumersindo possuía terras e parentes.

Um quinto sepultamento de Saraiva aconteceu, em 1951, quando seus ossos foram transferidos pelos filhos para Santa Vitória do Palmar, na fronteira do Brasil com o Uruguai, cidade onde também tinha estância e familiares e onde hoje descansa definitivamente o mais famoso general maragato, junto com a esposa, Dona Amália Corrêa Saraiva.

Dos quase mil maragatos que desertaram pelos campos missioneiros, cerca de oitocentos foram caçados pela milícia do coronel Firmino de Paula, maneados, amarrados pelo pescoço e, depois, diante da soldadesca castilhista, sumariamente degolados.

Conta a tradição oral da região que uma figueira nasceu, cresceu e abrigou a sepultura onde Gumersindo Saraiva foi enterrado duas vezes no Cemitério dos Capuchinhos, de Itacurubi. Ela está lá até hoje!

(*) RICARDO RITZEL é jornalista e cineasta. Apaixonado pela história gaúcha é roteirista e diretor do curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A última Batalha”. Também é diretor de duas outras obras audiovisuais históricas: “5665 –Destino Phillipson”, e “Bozzano – Tempos de Guerrra”. Ricardo Ritzel escreve neste site aos sábados.

Observação do editor: as fotos da figueira e do monumento são do autor do artigo. A do General e seu Estado Maior (lá no alto) é do Arquivo do Museu Júlio de Castilhos, de Porto Alegre.

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Um Comentário

  1. Muito bom. Os livros que tratam desta época são raros e alguns, como os da Martins Livreiro, não cabem no meu bolso. Tiragem baixa.

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