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Todos nós precisamos dele – por Bianca Zasso

“Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?”

foto bianca zasso

O poema Amar, de Carlos Drummond de Andrade é um dos preferidos entre os que estão com o coração num ritmo diferente. Só quem já experimentou a sensação de estar apaixonado sabe como os dias ganham outro sabor e nosso olhar passa a brilhar e descobrir coisas que antes pareciam não ter lá muito significado. O amor é algo que todos deveriam vivenciar. Pena não podermos garantir que ele virá. Mas a velhice, essa é parada certa na nossa longa estrada da vida. Mas espera aí! Não era de amor que este texto ia falar?

É de amor que nós vamos falar hoje. E de velhice. Do amor na velhice. Não aquele amor de velhinhos de mãos dadas ou renovando os votos. Muito menos de pessoas com mais de sessenta anos que se apaixonam. É do amor renovado, balançado pelo sofrimento de quem se ama, que chega junto com notícias nada boas.

Amor, filme do austríaco Michael Haneke é um soco. Dos doloridos, daqueles que a gente nunca esquece. A trama é simples: um casal de idosos, ambos professores de música, vive num confortável apartamento na França. Mesmo depois de anos dividindo o mesmo teto, eles ainda trocam elogios e delicadezas. Ele abre a porta para ela. Ela se preocupa caso ele esqueça o casaco ao sair de casa. Lindos. Até o dia em que um AVC bate à porta.

Interpretados de forma magistral pelos veteranos atores Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, o casal passa por uma revolução. Ela, antes ativa dentro da casa, agora depende de uma cadeira de rodas. Todos estes elementos poderiam gerar um drama sentimentalista que faria de tudo para o espectador ir às lágrimas e sentir pena dos protagonista. Mas Haneke é inteligente e sabe que seu público também é.

São os pequenos sinais do amor que fazem o filme ser singular. O cuidado do marido com a esposa nos momentos difíceis. O que nos choca não é uma senhora octogenária tentando caminhar, mas o fato de que nos damos conta de que é fácil amar quando se é saudável. Uma coisa é cuidar um pé quebrado ou uma gripe. Difícil é continuar mantendo um sentimento tão frágil quando o outro depende de você para coisas vitais. A toalha molhada em cima da cama torna-se uma bobagem.

Haneke, econômico como sempre, ambientou Amor todo dentro do apartamento do casal, mais um símbolo da intimidade. É em casa que as coisas acontecem. É o ambiente das brigas e das juras de amor mais secretas. A fotografia em tons amarelados remete à idade dos protagonistas. Todos nós, um dia, seremos páginas amareladas. As cores delicadas ajudam o público a suportar o conteúdo das cenas e traz certa beleza ao sofrimento. Por trás dos lençóis sujos e da comida derrubada no chão, há carinho, dedicação. É belo, mesmo que poucos percebam. E até a impactante cena final tem sua beleza. A dor também faz parte do amor.

Amor concorreu ao Oscar de melhor filme e Emmanuelle Riva disputou a estatueta de melhor atriz. Perdeu para Jennifer Lawrence e seus vinte e poucos anos. Nem a Academia perdoa a velhice. Ou, talvez como alguns por aí, não queira admitir que também está ficando velha. Espero que a senhorita Lawrence saiba que um dia, com muito esforço, vai se tornar uma senhora Emmanuelle. Suas madeixas loiras vão embranquecer, sua pele viçosa vai ganhar rugas e ela vai interpretar uma mãe ao invés de uma filha. Tudo passa. O amor fica.

Amor (Liebe)

Ano: 2013

Direção: Michael Haneke

Disponível em DVD e Blu-Ray

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