Sinto saudade de quando a política nos dividia
Por LUCIANO DO MONTE RIBAS (*)
Quem tem mais de 35 anos deve se lembrar da ferrenha disputa entre Olívio Dutra e Antônio Britto, em 1998.
Os partidários do “Galo Missioneiro” e os do “Cavalo do Comissário” se enfrentaram metro a metro pelo Rio Grande do Sul afora. Em alguns momentos de forma dura, mas raramente saindo do que estava em jogo: a comparação entre duas visões políticas distintas para a sociedade decidir o seu caminho.
Olívio perdeu em 1994 e aceitou o resultado. Brito foi derrotado em 1998 e buscou seu rumo. Em ambos os casos, o RS manteve-se civilizado o suficiente para seguir em frente, como todos esperavam.
Vinte e poucos anos depois, sinto saudade daquele tempo em que a política era o que nos dividia; daquele mundo onde, passadas as eleições, voltávamos todos, vencedores e derrotados, à “arena democrática”, em respeito aos valores essenciais das sociedades paridas pela modernidade.
Porém, desde o final de 2014, quando Aécio Neves decidiu boicotar o resultado da eleição presidencial e o processo de desconstrução da democracia brasileira tomou fôlego (#), passamos a ser divididos por algo muito mais profundo do que a política.
Hoje estamos, fundamentalmente, separados por visões irreconciliáveis sobre a vida e a morte. A divergência já não é mais sobre se devemos privatizar ou não, se o caminho desenvolvimentista é superior ao neoliberalismo ou se o petróleo é nosso ou dos especuladores. O que nos separa, de forma abissal e melancólica, são nossas opiniões sobre quem deve morrer e quem deve viver nesse Brasil que, em poucos dias, completará 198 anos de existência como nação soberana.
Costumo dizer que o núcleo duro do bolsonarismo (que deve representar de dez a quinze por cento da população brasileira) é uma divergência da espécie humana. O faço em tom jocoso, talvez até de uma maneira errada, por entrar nesse clima de “guerra” que tanto lhes convêm. Mas o fato é que, na prática, sinto mais a cada dia que há entre eles e a humanidade um distanciamento tão grande quanto o que existiu entre neandertais e sapiens: até podiam cruzar e gerar descendência fértil, mas a disputa entre eles em algum momento acabaria em tragédia.
Há muito tempo, porém, não vivemos mais em estado de natureza. Como seres civilizados precisamos ter a esperança de que haverá freios para quem faz do elogio à morte seu ethos fundamental. E, se a esperança é o que nos resta e se ela é, como disse Aristóteles, “o sonho do homem acordado”, que não fechemos os olhos até tudo isso passar.
(#) Hoje, 17 de abril, faz quatro anos que deram o golpe na presidenta Dilma. Quatro anos equivalem a um mandato presidencial inteiro. Nesse período, o Brasil piorou muito e apenas os muito ricos têm algo a comemorar. Parem, portanto, de culpar o PT pelos erros iniciados naquele discurso do Aécio. Punto e basta.
(*) Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, graduado em Desenho Industrial / Programação Visual e mestre em Artes Visuais, ambos pela UFSM. É presidente do Conselho Municipal de Política Cultural e um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema, além de já ter exercido diversas funções na iniciativa privada e na gestão pública.
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Observação do autor, sobre a foto: placa com citação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na fachada do Museo de La Memória y Los Derechos Humanos (www.conectadosconlamemoria.cl), em Santiago do Chile..
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