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ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega e a expressão adequada que exprime o enfrentamento à pandemia

Não estamos em guerra

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

Em 16 de março, em discurso transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, o presidente francês, Emmanuel Macron, pronunciou inúmeras vezes a frase “Estamos em Guerra”. Exatamente um mês depois, em 16 de abril, o ministro da Defesa brasileiro, general Fernando Azevedo e Silva, afirmou de forma veemente “É uma guerra, e as Forças Armadas estão nela”.

Até mesmo o presidente Donald Trump, que tem proferido um conjunto de avaliações vacilantes (e porque não, irresponsáveis) em relação a situação do país diante da pandemia, declarou, em 6 de maio, que os Estados Unidos estavam vivendo o pior ataque de sua história: “isso era pior que Pearl Harbor. Isso era pior que o World Trade Center”.

Em que pese a natureza e o objetivo dos discursos políticos, seria a guerra a metáfora mais conveniente para tratarmos da pandemia da Sar-Cov2? Carl von Clausewitz, escritor e militar prussiano do século XIX, em seu clássico “Da Guerra” escreve que a guerra “é um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se a sua vontade”.

Seria o vírus um adversário a ser submetido a nossa vontade ou algo a ser controlado? Tenho minhas dúvidas! Em tempos de certezas absurdas, ter dúvidas é um ato de prudência.

Talvez por isso, não me sinta confortável com o uso da linguagem da guerra. A guerra exige um inimigo materializado, um inimigo interno ou externo que muitas vezes é explorado para ganhos políticos que podem advir da unidade da nação ou da unidade de “seu grupo” para exterminar o “outro grupo”.

A linguagem da guerra é a linguagem da morte, do extermínio, da conveniência para aqueles que, independente da intencionalidade, necessitam reforçar o seu poder. Na guerra, equipamentos de saúde destinados para salvar “outros” são retidos para salvar os “seus”, pois, na guerra, só os “seus” importam.

Na guerra é necessário transferir os ônus, fugir das responsabilidades que as decisões difíceis exigem. Por isso, na guerra a informação deve ser controlada, pois, no conflito o que vale é uma versão de realidade e não a realidade em si.

Para os permanentemente belicosos, jornalistas, historiadores, cientistas em geral são “inimigos em potencial”, afinal, seja para negar ou afirmar os perigos presentes (ou falsear novos inimigos) na guerra o único discurso possível é o do poder total, preferencialmente, pronunciado junto aos “seus” em algum cercadinho.

Se não estamos propriamente em guerra, o que vivemos então? Vivemos uma crise. A palavra crise deriva do grego krisis, conceito originalmente adotado pela medicina para se referir quando um paciente se encontrava numa fase de evolução da doença que poderia levá-lo ou à morte ou à recuperação.

A crise atual não nasce propriamente com o Sar-Cov2, mas se evidencia com a sua brutal presença. Não se trata apenas de uma crise sanitária, apesar de também ser uma crise sanitária.

A pandemia fez vir à tona uma crise de múltiplas dimensões. Uma crise humanitária e de humanidade. Uma crise que coloca em choque as percepções hegemônicas de tempo, economia, natureza, política e sociedade. Uma crise dessas dimensões exige uma outra linguagem. Uma linguagem empática, zelosa, solidária, de responsabilidade com o bem comum. Uma linguagem que faça repensar a nossa existência humana e o caminho que queremos trilhar enquanto mundo.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do editor: a foto que ilustra este artigo não tem autoria determinada. Mas seu site de origem está AQUI.

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Um Comentário

  1. E o duelo entre nações. Sentido poderia ser outro, a total mobilização de recursos para o enfrentar um inimigo comum. Mas discutir semântica é perda de tempo.
    A única qualidade moral que não pode ser falseada é a coragem física. Quando uma policial da CORE sobe a favela com um fuzil na mão para prender traficantes não pode fingir que sente medo mas o tem sob controle.
    Fingir ser empático, humanista, solidário, socialmente responsável, preocupado com o ambiente, etc. é fácil. Basta perguntar no depto. de marketing das boas empresas. Ou no fórum. Ou para os vermelhinhos. Imagem é tudo, não é o que dizem?

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