Coluna

Carne e sangue – por Bianca Zasso

KillerJoe_2010.12.07_Day19of28_MG_6178.jpgÉ grande o número de filmes que optam pelo mistério para manter os espectadores interessados em suas histórias. Sangue de pantera, de Jacques Tourneur ainda perturba justamente porque a pantera do título nunca aparece. O bebê de Rosemary, de Roman Polanski, causa arrepios sem que se precise ver o rostinho demoníaco dentro do berço. Os assassinos dos gialli se resumiam a um par de luvas pretas durante um bom tempo da sessão.

Em meio a tantas artimanhas para atiçar o espectador, há quem prefira desferir o tapa sem grandes cuidados, escancarando desde o primeiro segundo quem são e como agem seus personagens. O diretor americano William Friedkin faz parte dessa turma.

Killer Joe, lançado em 2011, é mais um trabalho do cineasta responsável pelo clássico O exorcista, de 1973, que se vale de um roteiro sem tempo para respiro. A primeira cena já nos dá uma ideia: o jovem Chris, debaixo de uma chuva torrencial, bate na porta do trailer onde moram seu pai, sua irmã Dottie e a madrasta, que recepciona o enteado usando uma camiseta e nada mais. E o frame que basta para deixar claro que estamos diante de uma família nada equilibrada. A deterioração dos personagens está apenas começando, partindo de um nível que já é considerado forte para alguns estômagos.

A visita de Chris tem por objetivo convencer o pai a mandar matar sua ex-esposa para receber um seguro de vida. A ex-esposa, no caso, é mãe de Chris e Dottie e sua falta de jeito com a maternidade fica clara nos diálogos da dupla. Porém, o ódio não está acompanhado da coragem para pai e filho e o melhor plano é contratar um matador de aluguel. O melhor deles. É o Joe do título, interpretado com equilíbrio pelo texano Matthew McConaughey. Mais que um assassino com preço fixo, ele é o inferno em forma de gente. E Friedkin mostra todas as suas nuances.

bianca bKiller Joe exala influência dos filmes policiais dos anos 70, tanto no ritmo como na fotografia. O sol escaldante do Texas ganha força quando refletido em bares abandonados e latarias enferrujadas perdidas num fundo de quintal. As cenas noturnas, em tons de azul, perde a atmosfera de romantismo quando são o pano de fundo das ações sádicas de Joe durante as negociações com Chris e sua família. Não basta apenas executar seu serviço, ele quer uma garantia. No caso, uma garantia chamada Dottie.

É nesse momento que Killer Joe passa de uma trama sobre um filho que quer matar a mãe para a história de uma garota que cria um mundo à parte para sobreviver a um cotidiano degradante. Dottie, que no início parecia apenas uma adolescente perturbada, passa a ser o centro do desejo de Joe. Um olhar superficial nos diz que é a tradicional receita da Lolita, que seduz um homem mais velho com seu jeito inocente.

Friedkin dá um passo adiante e conduz uma das cenas mais perturbadoras e sexies do cinema atual ao filmar a primeira transa de Dottie com Joe sem romantismos, utilizando dois strip-teases simbólicos: a garota tira a roupa e o matador se livra de suas armas. Ele está mais nu que ela, já que Dottie, após este momento, passa a ser a única que ameniza a sede de tortura do protagonista.

É o momento de Juno Temple brilhar em seu papel mais maduro desde sua participação em Desejo e reparação, de Joe Wright. A jovem atriz com currículo recheado transmite com sutileza a transformação de Dottie de menina fora do ar para filha vingativa.

Killer Joe é feito de carne e sangue. A violência sem pudor das cenas finais deixa o espectador diante de uma realidade destroçada. Dentro do trailer do projeto de família de Chris e Dottie não sobra nada inteiro, dos móveis aos nervos de seus habitantes. Faces machucadas por socos viram detalhes perto da perversidade dos atos de Joe para ouvir as respostas que ele considera as certas.

William Friedkin conseguiu montar um filme que tem tudo para se tornar um clássico dos nossos tempos, prestando homenagens aos cascas grossas do passado sem deixar de ser moderno e provocativo. No jogo de esconde-esconde, Joe arrancou as cortinas e resolveu mostrar tudo, sem dó de quem está na poltrona do cinema.

Killer Joe

Ano: 2011

Direção: William Friedkin

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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