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ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega e a ‘Tempestade no Deserto’, 3 décadas da guerra em tempo real na TV

30 anos da Guerra do Golfo

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

Quinta-feira, 17 de janeiro de 1991, aproximadamente 20h30’, Sérgio Chapelin, então âncora do programa, iniciava o Jornal Nacional anunciando: “a Guerra explode no Golfo Pérsico”. Na sequência surge uma série de imagens de aviões sendo abatidos, bombardeios aéreos, refinarias de petróleo queimadas, um mapa de região, falas de correspondentes internacionais e de soldados estadunidenses que bombardeavam sem parar alvos iraquianos. A Operação Tempestade no Deserto, iniciada cerca de 23 horas antes, não foi nenhuma surpresa, pois já vinha se desenhando há alguns meses. A novidade era o fato de ser a primeira grande ofensiva de guerra transmitida ao vivo na televisão.

A Guerra do Golfo iniciou alguns meses antes do início daquela ofensiva. No dia 2 de agosto de 1990, tropas do Iraque invadiram o Kuwait. A justificativa para a ação foi o fato de o país vizinho e os Emirados Árabes Unidos terem incrementados sua produção de petróleo a baixo preço, rompendo acordos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e causando danos significativos na economia iraquiana.

Colocando o conflito na média duração, é importante ressaltar que, desde a fundação do Kuwait em 1923, inúmeros governos iraquianos sempre rechaçaram a aceitação das fronteiras definidas pelo Império Britânico na Convenção Anglo-Otomana de 1913. Colocando-o na conjuntura do início da última década do século XX, o conflito pode ser entendido dentro da estratégia iraquiana de controle total da produção do petróleo na região do Golfo Pérsico. A estratégia era uma tentativa de buscar a hegemonia da região e recuperar a economia do país, arrasada após quase uma década de guerra contra o Irã.

O Iraque, na década de 1980, era visto pelos Estados Unidos como um aliado na contenção do avanço da Revolução Islãmica Iraniana. O apoio dos Estados Unidos impediu a derrota do país governado pelo então propagandeado como “ditador bom” Saddam Hussein na Guerra Irã-Iraque (1980-1988). Foi ancorado nesse apoio anterior que o governo iraquiano calculou a Invasão do Kuwait.

Hussein considerava que os Estados Unidos não fariam qualquer menção negativa à ação de um, até então, aliado. Ledo engano! O governo estadunidense jamais permitiria a emergência de qualquer país que pudesse se contrapor regionalmente aos seus aliados estratégicos, Arábia Saudita e Israel. O Iraque era apenas um aliado pontual contra a emergência do Irã.

O presidente George H. Bush condenou imediatamente a invasão. Em 6 de agosto de 1990, a pedido do governo estadunidense, o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu as primeiras sanções econômicas ao governo do Iraque. Em novembro, esse mesmo órgão definiria um prazo para a que o Iraque retirasse as suas tropas do país vizinho: 16 de janeiro de 1991.

Um dia depois da data estabelecida, a coalizão internacional, liderada pelos Estados Unidos, iniciava sua ofensiva. Em pouco mais de um mês, aproximadamente 110 mil vôos despejaram 84.200 toneladas de bombas, quase o mesmo número de toda a Segunda Guerra Mundial. Diante dessa forte ofensiva, as tropas iraquianas se retiram do Kuwait em 28 de fevereiro. Sob a vigilância da ONU e fortes sanções econômicas, Saddan Hussein permaneceria no governo do Iraque até 2003.

Diante de um cenário internacional que sofria aceleradas modificações, a Guerra do Golfo foi a primeira demonstração de imposição da autoproclamada Nova Ordem Mundial. Após a queda do Muro de Berlim, diante de uma cambaleante União Soviética, os Estados Unidos apresentavam ao mundo a “Pax Americana”.

A transmissão ao vivo dos intensos bombardeios demonstrava que a única “polícia do mundo” não aceitaria qualquer interesse oposto ao seu. Porém, como escreveu Maquiavel, uma ordem não se sustenta apenas pela força. Os falcões da política externa estadunidense sabem muito bem disso. Os barões da grande mídia neoliberal também.

A cobertura parcial e espetaculosa da Guerra do Golfo produziu a transformação da imagem do “bom ditador” Saddam Hussein na imagem do “ditador demonizado”. Uma imagem que seria muito bem explorada para referendar as “duvidosas” justificativas de George W. Bush para a Invasão do Iraque em 2003. Na guerra, as imagens caminham ao lado das armas, muitas vezes com um objetivo comum: esconder os reais interesses daqueles que ordenam os ataques. Na guerra, as imagens, na maioria das vezes, são tão teleguiadas quanto os misseis.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do editor: a foto, sem autoria determinada, mas da agência de notícias AP, mostra iraquianos em ação na invação ao Kuwait, e foi extraída do arquivo da DW (Deutsche Welle)

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Um Comentário

  1. Análise marxista sempre só olha a economia, esquece outros fatores.
    Kuwait faz fronteira com o Iraque e Arábia Saudita. Que tem acordo com os americanos desde a Segunda Guerra (FDR), árabes fornecem petróleo, ianques garantem a segurança.
    A guerra durou aproximadamente 100 horas. Fator principal não foi televisão (imagem), foi utilização de tecnologia (aviões invisíveis ao radar, por exemplo). Alás, existe uma corrida armamentista/tecnológica em curso, misseis hipersônicos são exemplo.
    Osama Bin Laden ofereceu (era saudita) montar um exercito de fieis para expulsar os invasores, algo inaceitável poderia depois derrubar a Casa Real no pais natal. Americanos colocaram tropas num pais que tem lugares sagrados para os muçulmanos, Osama ficou indignado com a presença de ‘cruzados’ por lá e deu no que deu.
    Este paradoxo, alguns querem que os americanos trabalhem como policia do mundo (pagando com dinheiro e vidas), outros criticam e outros mais querem uma atuação ‘a la carte’. No governo Clinton comemorou-se cadáveres de soldados ianques arrastados na Somália e depois criticou-se a inércia durante os massacres em Ruanda e genocídios na Bósnia.
    Segunda Guerra do Golfo pode ser resumida facilmente, Bush não deveria ter começado e Obama não deveria ter tirado as tropas cedo demais. Vide Estado Islamico.
    Derrubada de Sadam e depois de Gaddafi (americanos ajudaram mas foi mais coisa dos franceses) depois justificou o apoio de Putin ao presidente da Siria, a Maduro, etc. Também fez ele justificar permanência no poder, não quer acabar como o líbio. Na Coreia o pensamento é o mesmo, dai as armas nucleares.
    Resumo da ópera: nada é tão simples como apresentam.

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